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Tagore
Atualizado em
AS COISAS TRANSITÓRIAS
Irmão,nada é eterno, nada sobrevive.Recorda isto, e alegra-te.
A nossa vidanão é só a carga dos anos.A nossa veredanão é só o caminho interminável.Nenhum poeta tem o deverde cantar a antiga canção.A flor murcha e morre;mas aquele que a levanão deve chorá-la sempre…Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Chegará um silêncio absoluto,e, então, a música será perfeita.A vida inclinar-se-á ao poentepara afogar-se em sombras doiradas.O amor há-de ser chamado do seu jogopara beber o sofrimentoe subir ao céu das lágrimas …Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Apanhemos, no ar, as nossas flores,não no-las arrebate o vento que passa.Arde-nos o sangue e brilham nossos olhosroubando beijos que murchariamse os esquecessemos.
É ânsia a nossa vidae força o nosso desejo,porque o tempo toca a finados.Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Não podemos, num momento, abraçar as coisas,parti-las e atirá-las ao chão.Passam rápidas as horas,com os sonhos debaixo do manto.A vida, infindável para o trabalhoe para o fastio,dá-nos apenas um dia para o amor.Irmão, recorda isto, e alegra-te.
Sabe-nos bem a belezaporque a sua dança volúvelé o ritmo das nossas vidas.Gostamos da sabedoriaporque não temos sempre de a acabar.No eterno tudo está feito e concluído,mas as flores da ilusão terrenasão eternamente frescas,por causa da morte.Irmão, recorda isto, e alegra-te.– Rabindranath Tagore, no livro “O coração da Primavera” (textos escolhidos, traduzidos e dispostos ritmicamente por Manuel Simões).
FLOR-DE-LÓTUS
No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração.
– Rabindranath Tagore, em “Poesia” (seleção e tradução de José Agostinho Baptista).
GITANJALI, 19
Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.
Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.
– Rabindranath Tagore, no livro “Gitanjali - Oferenda lírica” (tradução Ivo Storniolo).
ÚLTIMA PRIMAVERAANTES que o dia termine,consente-me este desejo:vamos colherflores da primaverapela última vez.Das muitas primaverasque ainda visitarãotua morada,concede-me uma,– implorei.
Todo este tempo,não prestei atençãoàs horas,perdidas e gastas à toa.
Num lampejode um crepúsculo,li nos teus olhos agoraque meu tempo está próximoe devo partir.
Assim, ávido, ansioso,conto um por um– como o avarento o seu ouro –os últimos, poucos dias de primaveraque ainda me restam.
Não tenhas medoNão me demorarei muitono teu jardim florido,quando tiver de partir,no fim do dia.
Não procurarei lágrimasnos teus olhospara banhar minhas lembrançasno orvalho da piedade.
Ah, escuta-me,não te vás.O sol ainda não se esconde.Podemos permitir que o tempose prolongue.Não tenhas medo.
Deixa que o sol da tardeolhe por entre a folhageme se detenha um momentobrilhando no negro riodo teu cabelo.
Faze o tímido esquilo,perto do lago,fugir de repenteao estrépito de teu risoque irrompecom descuidosa alegria.
Não procurareiretardar teus rápidos passos,sussurrando esquecidas lembrançasaos teus ouvidos.
Segue teu caminho depois,se teu dever é seguir, se tens de seguircalcando folhas caídascom teu andar apressado,enquanto as aves que voltampovoam o fim do diacom o clamor de seus gritos.
Na escuridão crescente,tua distante figurairá fugindo e apagando-secomo as últimas frágeis notasdo cântico da tarde.
Na noite escura,senta-te à tua janela,que eu passarei pela estrada,seguindo o meu trajeto,deixando tudo para trás.
Se te aprouver,atira-meas flores que te deipela manhã,murchas agora ao fim do dia.
Isso vai sero último e supremo presente:tua homenagemde despedida.– Rabindranath Tagore , poemas de “Puravi” (tradução Cecília Meireles).
TROCAELA me trouxe flores de alegriaeu tinha comigoos frutos da minha tristeza.
Quem sairá perdendo,perguntei-lhe,se trocarmos?
Encantada e risonha,ela disse:“Então troquemos:minha grinalda é tuae aceitareiteus frutos de sofrimento”.
Olhei para o seu rostovi que era de uma belezaimplacável.
Bateu palmas, alegre,e apanhouminha cesta de frutosenquanto eu suspendia sobre o coraçãosua grinalda de flores.
Ganhei,disse ela sorrindoe retirando-selogo.
O sol subiupara o alto do céue fazia muito calor.
No fim do diasufocantetodas as flores murcharame perderam as pétalas.– Rabindranath Tagore , poemas de “Puravi” (tradução Cecília Meireles).
A MINHA CANÇÃO
ESTA minha canção enleará sua música em torno de ti, meu filhinho, como os braços apaixonados do amor.
Esta minha canção tocar-te-á a fronte como um beijo de bênção.
Quando estiveres sozinho, ela se assentará ao teu lado e segredará ao teu ouvido; quando estiveres no meio da multidão, criará uma barreira de distância em torno de ti.
A minha canção será como um par de asas para os teus sonhos.
Transportará teu coração às bordas do desconhecido.
Será como a estrela fiel lá em cima, quando a noite escura tombar sobre a tua estrada.
A minha canção pousará nas pupilas de teus olhos e levará a tua vista até o coração das coisas.
E quando a minha voz emudecer na morte, a minha canção falará no teu coração vivo.
– Rabindranath Tagore, de “A lua crescente” (tradução Abgar Renault).
JULGAMENTONão julgues…Habitas num recanto mínimo desta terra.Os teus olhos chegamAté onde alcançam muito pouco…Ao pouco que ouvesAcrescentas a tua própria voz.Mantém o bem e o mal, o branco e o negro,Cuidadosamente separados.Em vão traças uma linhaPara estabelecer um limite.
Se houver uma melodia escondida no teu interior,Desperta-a quando percorreres o caminho.Na canção não há argumento,Nem o apelo do trabalho…A quem lhe agradar responderá,A quem lhe agradar não ficará impassível.Que importa que uns homens sejam bonsE outros não o sejam?São viajantes do mesmo caminho.Não julgues,Ah, o tempo voaE toda a discussão é inútil.
Olha, as flores florescem à beira do bosque,Trazendo uma mensagem do céu,Porque é um amigo da terra;Com as chuvas de JulhoA erva inunda a terra de verde,E enche a sua taça até à borda.Esquecendo a identidade,Enche o teu coração de simples alegria.Viajante,Disperso ao longo do caminho,O tesouro amontoa-se à medida que caminhas.– Rabindranath Tagore, em “Poesia” (seleção e tradução de José Agostinho Baptista).
ONDE A MENTE É LIVRE DE MEDO
Onde a mente é livre de medo e a cabeça se mantém erguida
Onde o conhecimento é livre
Onde o mundo não foi retalhado em fragmentos
por estreitas paredes domésticas
Onde as palavras emergem das profundezas da verdade
Onde o esforço incansável estende os braços em direção à perfeição
Onde o claro rio da razão não perdeu o rumo
nas tristes areias desertas dos hábitos estagnados;
Onde a mente é impelida por ti
rumo ao pensamento e à ação cada vez mais amplos
Nesse paraíso de liberdade. Pai, permita que meu país desperte.
– Rabindranath Tagore (tradução Cláudia Santana Martins).
Rabindranath Tagore (07 de maio de 1861, Calcutá, Índia - 07 de agosto de 1941, Calcutá, Índia). Poeta e escritor, destacado representante da cultura hindu.