Solano Trindade

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A mensagem do poeta

O poeta é um mensageiro da vida

Ele canta a terra

Ele canta o céu

Ele canta o mar

Ele canta o homem,

E no homem

Está a maior mensagem da vida...


A mensagem do poeta

Fala do corpo da mulher,

Dos seus seios

Da sua boca

Das suas mãos,

Porque na mulher

Está a vida do poeta

Porque a mensagem do poeta


Vem do ventre da mulher.

- Solano Trindade, em "Poemas d'uma vida simples".



O canto da Liberdade

Ouço um novo canto,

Que sai da boca,

de todas as raças,

Com infinidade de ritmos...

Canto que faz dançar,

Todos os corpos,

De formas,

E coloridos diferentes...

Canto que faz vibrar,

Todas as almas,

De crenças,

E idealismos desiguais...

É o canto da liberdade,

Que está penetrando,

Em todos os ouvidos...

- Solano Trindade, em "Poemas d'uma vida simples".



Também sou amigo da América

América,

Eu também sou teu amigo

há na minh'alma de poeta

um grande amor por ti!


Corre em mim,

o sangue do negro

que ajudou na tua construção,

que te deu uma música,

intensa como a liberdade!


Eu te amo, América,

porque em ti também

virá a vitória Universal,


Onde o trabalhador

terá recompensa de labôr

Na igualdade de vida


Eu te amo América,

E lutarei por ti,

como o amante luta pela amada!

O teu inimigo

É meu adversário...


Dou a ti

Minha força de proletário,

Minh'alma de artista,

Meu coração de guerreiro...

Cantarei poemas de exaltação

À tua glória.

Construirei máquinas

Para tua vingança

Marcharei para defender-te.


Eu te amo, América,

Porque amo o direito dos povos,

Porque detesto o nazismo...


Eu te amo, América,

Porque quero a libertação das raças

Porque odeio o fascismo...


Eu te amo, América,

Por ti desprezo a paz que tanto amei

E quero a guerra que tanto repeli


América, eu também sou teu amigo.

- Solano Trindade, em "Poemas d'uma vida simples".



Quem tá gemendo?

Quem tá gemendo

Negro ou carro de Boi?


Carro de boi geme quando quer

Negro não

Negro geme porque apanha

Apanha pra não gemer


Gemido de negro é cantiga

Gemido de negro é poema


Geme na minhalma

A alma do Congo

Do Níger da Guiné

De toda a África enfim

A alma da América

A alma Universal


Quem tá gemendo

Negro ou carro de Boi?

- Solano Trindade, em "Cantares ao meu povo".



O canto dos Palmares!

sem inveja de Virgílio, de Homero,

E de Camões

Porque o meu canto

é o grito de uma raça

em plena luta pela liberdade!


Há batidos fortes,

de bombos e atabaques,

em pleno sol,

Há gemidos nas palmeiras,

soprados pelos ventos,

Há gritos nas selvas,

invadidas pelos fugitivos...


Eu canto aos Palmares,

odiando opressores,

de todos os povos,

de todas as raças,

de mão fechada,

contra todas as tiranias!


Fecham minha boca,

mas deixam abertos os meus olhos,

Maltratam meu corpo,

minha consciência se purifica,

Eu fujo das mãos

do maldito senhor!


Aleluia Aleluia!

Repete-se o canto,

Do livramento,

já ninguém esta fechando

a minha boca,

agora sou poeta,

meus irmãos vêm ter comigo

eu trabalho,

eu planto,

eu construo

Meus irmãos vêm ter comigo...


Minhas amadas me cercam,

eu sinto o cheiro do seu corpo,

e cantos místicos

sublimizam o meu espírito!

Minhas amadas dançam,

despertam o desejo em meus irmãos,


Somos todos libertos,

Podemos amar!...

E entre as palmeiras nascem

os frutos do amor,

dos meus irmãos,

nos alimentamos do fruto da terra,

nenhum home explora outro homem...


E agora ouvimos o grito de guerra,

ao longe divisamos

as tochas acesas,

é a civilização sanguinária,

que se aproxima.


Eu ainda sou poeta.

E o meu poema

Levanta os meus irmãos,

As minhas amadas

se preparam para a luta

os tambores

não são mais pacíficos,

até as palmeiras

tem amor à liberdade


Os civilizados têm armas

e tem dinheiro,

mas eu os faço correr...

Meu poema

é para os meus irmãos mortos,

Minhas amadas

cantam comigo,

enquanto os homens

vigiam a terra...


O tempo passa

sem número e calendário,

o opressor volta

com outros inconscientes,

com armas

e com dinheiro,

mas eu os faço correr...


O meu poema libertador,

é o cantado por todos

até pelas crianças,

o meu poema é simples,

como a própria vida,

Nascem flores

nas covas de meus mortos,

e as mulheres

se enfeitam com elas,

e fazem perfume

com sua essência...


Os meus canaviais

ficam bonitos,

meus irmãos fazem mel,

minhas amadas fazem doce,

e as crianças

lambuzam os seus rostos

e seus vestidos

feitos de tecidos de algodão,

tirados dos algodoais,

que plantamos...


Não queremos o ouro,

porque temos a vida!

E o tempo passa,

sem número e calendário...

O opressor quer o corpo liberto,

mente ao mundo

e parte em busca

de prender-me novamente...


- É preciso salvar a civilização,

Diz o sádico opressor...

Eu ainda sou poeta,

e canto nas selvas

a grandeza da civilização,

a liberdade...

Minhas amadas cantam comigo,

meus irmãos,

batem com as mãos,

acompanhando o ritmo

da minha voz....


- É preciso salvar a fé,

Diz o tratante opressor...


Eu ainda sou poeta

e canto nas matas

a grandeza da fé,

a Liberdade...

Minhas amadas cantam comigo,

meus irmãos

batem com as mãos,

acompanhando o ritmo,

da minha voz!....


O nosso sono é tranqüilo,

mas o opressor não dorme,

o seu sadismo se multiplica,

o escravagismo é o seu sonho,

os inconscientes

entram para seu exército...


As nossas plantações

estão floridas,

As nossas criancinhas

brincam à luz da lua,

os nossos homens,

batem tambores,

canções pacíficas,

e as mulheres dançam

essa música...


O opressor se dirige

aos nossos campos,

os seus soldados

cantam marchas de sangue.

Pois são essas a sua fé

E civilização


O opressor prepara outra investida,

confabula com ricos e senhores,

e marcha mais forte,

para o meu acampamento!

Mas eu os faço correr...


O poema libertador

É cantado por todos

até pelo rio...

Meus irmãos que morreram,

muitos filhos deixaram,

e todos sabem plantar,

e manejar arcos;

Muitas amadas morreram

mas muitas ficaram vivas,

dispostas a amar,

seus ventres crescem,

e nascem novos seres...


O opressor convoca novas forças,

e ele vem de novo

ao meu acampamento...

Nova luta.

As palmeiras

ficam cheias de flechas,

os rios cheios de sangue,

matam meus irmãos,

matam minhas amadas,

devastam os meus campos,

roubam as nossas reservas;

tudo isto,

para salvar

a civilização

e a fé...


Mas não mataram

o meu poema,

Que é mais forte

que todas as forças

é a Liberdade...

O opressor

não pôde fechar minha boca,

nem maltratar meu corpo,

o meu poema,

é cantado através dos séculos,

a minha musa, esclarece as consciências,

Zumbi foi redimido...

- Solano Trindade, em "Poemas d'uma vida simples".




Francisco Solano Trindade (24 de julho de 1908, Recife PE - 19 de fevereiro de 1974, Rio de Janeiro). Poeta, ativista e artista múltiplo brasileiro.