Rudyard Kipling

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Rudyard Kipling - Foto: Roger-Viollet / Rex Features



Se

Se és capaz de manter a tua calma quando

Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;

De crer em ti quando estão todos duvidando,

E para esses no entanto achar uma desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares,

Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,

Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,

E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar --sem que a isso só te atires,

De sonhar --sem fazer dos sonhos teus senhores.

Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires

Tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas

Em armadilhas as verdades que disseste,

E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,

E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada

Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,

E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,

Resignado, tornar ao ponto de partida;

De forçar coração, nervos, músculos, tudo

A dar seja o que for que neles ainda existe,

E a persistir assim quando, exaustos, contudo

Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes

E, entre reis, não perder a naturalidade,

E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,

Se a todos podes ser de alguma utilidade,

E se és capaz de dar, segundo por segundo,

Ao minuto fatal todo o valor e brilho,

Tua é a terra com tudo o que existe no mundo

E o que mais --tu serás um homem, ó meu filho!

- Rudyard Kipling (tradução Guilherme de Almeida).



Canção de caça do bando Seeonee

Quando vinha rompendo a madrugada o cervo bramiu

Uma, duas e outra vez mais!

E uma corça deu um salto, a corça saltou

Do poço onde bebem os veados selvagens.

Isso tudo eu, sozinho, vi acontecer

Uma, duas e outra vez mais!

Quando vinha rompendo a madrugada o cervo bramiu

Uma, duas e outra vez mais!

E um lobo foi embora, o lobo foi embora

Saiu dali para levar a notícia à matilha, que esperava,

E todos corremos em seu encalço

Mais uma, duas e outra vez!

Quando rompia a madrugada ouviu-se o uivo da matilha

Uma, duas e outra vez mais!

Patas na selva que não deixam marcas!

Olhos que enxergam na escuridão- na escuridão!

Ouçam a nossa voz!

Uma, duas e outra vez mais!

- Rudyard Kipling. em "O livro da Selva" (tradução Vera Karam).




"O tema do sobrenatural marca presença em muitos dos contos de Kipling, todavia revela-se sempre de forma gradual. Em "A Casa dos Desejos", uma senhora narra a outra uma história mágica e dolorosa, mas ambas são demasiado humildes para o espanto. Em "Uma Guerra de Sahibs", a febre e a presença do ópio conferem mais verosimilhança ao sobrenatural. Sobre "Uma Nossa Senhora das Trincheiras", cujo cenário é a guerra de 1914-1918, projecta-se a sombra do canto V d’ O Inferno. "O Olho de Alá" não é um conto fantástico, mas sobretudo um conto possível. De entre os contos que seleccionei para este volume, talvez aquele que mais me comova seja "O Jardineiro". Uma das suas peculiaridades é o facto de aí ocorrer um milagre; a protagonista ignora-o, mas o leitor sabe-o."

- Jorge Luís Borges, em "A Casa dos Desejos" (tradução Alice Rocha).





Joseph Rudyard Kipling ( 30 de dezembro de 1865, Bombaim/Mumbai, Índia - 18 de janeiro de 1936, Londres, Inglaterra). Jornalista, escritor e poeta.