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Rubem Alves
Atualizado em
"Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro..."
- Rubem Alves, em "Estórias de quem gosta de ensinar: o fim dos vestibulares".
"Senti que o tempo é apenas um fio. Nesse fio vão sendo enfiadas todas as experiências de beleza e de amor por que passamos. Aquilo que a memória amou fica eterno. Um pôr do sol, uma carta que recebemos de um amigo, os campos de capim-gordura brilhando ao sol nascente, o cheiro do jasmim, um único olhar de uma pessoa amada, a sopa borbulhante sobre o fogão de lenha, as árvores do outono, o banho da cachoeira, mãos que seguram, o abraço do filho: houve muitos momentos de tanta beleza em minha vida que eu disse: ‘Valeu a pena eu haver vivido toda a minha vida só para poder ter vivido esse momento. Há momentos efêmeros que justificam toda uma vida’."
- Rubem Alves, em “Do universo à jabuticaba”.
"O nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança: tudo começa com um ato de amor. Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a semente do pensamento é o sonho. Por isso os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos."
- Rubem Alves, em "A alegria de ensinar".
"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você…” A gente ama não é a pessoa que fala bonito. E a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina.
Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. Todos reunidos alegremente no restaurante: pai, mãe, filhos, falatório alegre. Na cabeceira, a avó, com sua cabeça branca. Silenciosa. Como se não existisse. Não é por não ter o que dizer que não falava. Não falava por não ter quem quisesse ouvir. O silêncio dos velhos. No tempo de Freud as pessoas procuravam os terapeutas para se curarem da dor das repressões sexuais. Aprendi que hoje as pessoas procuram os terapeutas por causa da dor de não haver quem as escute. Não pedem para ser curadas de alguma doença. Pedem para ser escutadas. Querem a cura para a dor da solidão. (…)”
- Rubem Alves, em “Se Eu Fosse Você”, do livro ‘O Amor Que Ascende a Lua’.
“O corpo é o lugar fantástico onde mora, adormecido, um universo inteiro. [...] Tudo adormecido... O que vai acordar é aquilo que a Palavra vai chamar. As Palavras são entidades mágicas, potências feiticeiras, poderes bruxos que despertam os mundos que jazem dentro dos nossos corpos, num estado de hibernação, como sonhos. Nossos corpos são feitos de palavras...”
- Rubem Alves, na crônica 'Lagartas e borboletas', do livro "A alegria de ensinar".
"Uma lagarta vira borboleta, um velho transforma-se em criança... O tempo completa o seu ciclo, volta aos começos. Assim é o tempo da alma, um carrossel, girando, voltando sempre ao início, o “eterno retorno”. T. S. Eliot estava certo quando disse que “o fim de todas as nossas explorações será chegar ao lugar de onde partimos e o conhecer, então, pela primeira vez”."
- Rubem Alves, em “O retorno e terno”.
"Levou tempo para que eu compreendesse que o que convence não é a “letra” do que falamos; é a “música” que se ouve nos interstícios de nossa fala. A razão só entende a letra. Mas a alma só ouve a música. O segredo da comunicação é a poesia. Porque poesia é precisamente isso: o uso das palavras para produzir música. Pianista usa piano, violeiro usa viola, flautista usa flauta – o poeta usa a palavra."
- Rubem Alves, em "Ostra feliz não faz pérola".
"Mora em nós um outro que não se esquece da nossa verdade... Alguns pensam que psicanálise e poesia são coisas de loucos. Tem até ditado: De poeta e de louco todo mundo tem um pouco. Os sapos e rãs, ao ouvirem as canções do príncipe poeta, só poderiam ter dito: É poeta! É louco! E trataram de curá-lo, educando-o para a realidade. Para eles ser normal é coaxar como todos coaxam. Mas a alma, em meio à ruidosa monotonia da vida, continua a ouvir uma voz que vem nos intervalos. Continua a chorar ao ouvir uma melodia que não havia. Continua a ouvir a fala de um estranho que mora em nós, e que nos visita nos sonhos. Continua a ser queimada pelas brasas da saudade de um lar esquecido, do qual estamos exilados. É bem possível que os sapos e rãs vivam mais tranquilos. Para eles todas as questões já estão resolvidas. Mas existe uma felicidade que só mora na beleza. E esta a gente só encontra na melodia que soa, esquecida e reprimida, no fundo da alma."
- Rubem Alves, em "Palavras para desatar nós".
"Os poetas sentem e sabem. A psicanálise explica. Somos viajantes mesmo quando não viajamos. Viajamos sonhando, sem sair do lugar. O sonho é a viagem daquele que quer ir mas não pode. Não pode ou por não ter barcos ou por não saber onde ir. Nos seus lugares mais profundos, o corpo é um navegante. Mora ali um fogo que não se apaga – Freud deu a ele o nome de “princípio do prazer”. Queremos navegar até o lugar (ou tempo) onde encontraremos o prazer. Mas eu sinto tentado, à semelhança de Octavio Paz, a falar “dupla chama”. Castiçal de duas velas. De um lado a chama do prazer, vermelha. Do outro, a chama da alegria, azul. Acho que Freud não concordaria comigo – mas não tem importância. Na minha psicanálise estou sempre atento ao “princípio da alegria”."
- Rubem Alves, em "Palavras para desatar nós".
"Talvez o amor não passe de uma deliciosa ilusão que se realiza em momentos sagrados, raros. Quando ele acontece é aquela felicidade imensa, aquela certeza de eternidade. Ah! Como os apaixonados desejam sinceramente que aquela felicidade não tenha fim! Mas o amor, pássaro, de repente bate as asas e voa... Brincando, faz tempo, eu sugeri que um casamento que se baseasse no amor teria de ser efêmero - porque o amor é sentimento, e os sentimentos não podem ser transformados em monumentos."
- Rubem Alves, em "Retratos de amor".
Da tragédia e da beleza
Toda pérola esconde uma dor no fundo da sua beleza. Ostra feliz não faz pérola. Ostra que faz uma pérola é ostra que sofre. Porque a pérola, lisa esfera sem arestas, a ostra a produz para deixar de sofrer, para se livrar da dor das arestas de um grão de areia que se aninhou dentro dela. Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposição aos cristãos, levavam a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. E ele se perguntou das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que ele encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas: Beethoven – como é possível que um homem completamente surdo, no fim de sua vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? –, Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa...
- Rubem Alves, crônica extraída do livro "Palavras para desatar nós".
"A música nos retira dos nossos pequenos mundos e nos faz viajar por mundos maravilhosos. Isso desperta em nós as potências eróticas dos nossos ouvidos. Os ouvidos passam a fazer amor com a música em inumeráveis posições..."
- Rubem Alves, em "Na companhia de Rubem Alves: livro de anotações para mulheres".
"No silêncio das crianças há um programa de vida: sonhos. É dos sonhos que nasce a inteligência. A inteligência é a ferramenta que o corpo usa para transformar os seus sonhos em realidade. É preciso escutar para que a inteligência desabroche."
- Rubem Alves, em "O Melhor de Rubem Alves".
"Penso que borboletas, seres alados, diáfanos e coloridos, devem ser emissários dos deuses, anjos que anunciam coisas do amor. Imaginei então que aquela borboleta era um anjo disfarçado que os deuses me enviavam com uma promessa de felicidade."
- Rubem Alves, em "Na companhia de Rubem Alves: livro de anotações para mulheres".
"As memórias com vida própria, ao contrário, não ficam quietas dentro de uma caixa. São como pássaros em voo. Vão para onde querem. E podemos chamá-las que elas não vêm. Só vêm quando querem. Moram em nós, mas não nos pertencem. O seu aparecimento é sempre uma surpresa. É que nem suspeitávamos que estivessem vivas!."
- Rubem Alves, em "O velho que acordou o menino" [infância].
"Minha estrela é a educação. Educar não é ensinar matemática, física, química, geografia, português. Essas coisas podem ser aprendidas nos livros e nos computadores. Dispensam a presença do educador. Educar é outra coisa. De um educador pode-se dizer o que Cecília Meireles disse de sua avó – que foi quem a educou: “O seu corpo era um espelho pensante do universo”. O educador é um corpo cheio de mundos.... A primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O mundo é maravilhoso, está cheio de coisas assombrosas. Zaratustra ria vendo borboletas e bolhas de sabão. A Adélia ria vendo tanajuras em vôo e um pé de mato que dava flor amarela. Eu rio vendo conchas, teias de aranha e pipocas estourando... Quem vê bem nunca fica entediado com a vida. O educador aponta e sorri – e contempla os olhos do discípulo. Quando seus olhos sorriem, ele se sente feliz. Estão vendo a mesma coisa. Quando digo que minha paixão é a educação estou dizendo que desejo ter a alegria de ver os olhos dos meus discípulos, especialmente os olhos das crianças."
"Amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação. E neste espaço o amor só sobrevive graças a algo que se chama fidelidade: a espera do regresso. De alguma forma a gota da chuva aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de novo, mar afora. Morte e ressurreição. Na dialética do amor, a própria dialética divina. Quem não pode suportar a dor da separação não esta preparado para o amor. Porque amor é algo que não se tem nunca. É o vento de graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera. E quando ele volta, a alegria volta com ele. E sentimos então que valeu a pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro."
- Rubem Alves, em "Onde mora o Amor", do livro 'Tempus Fugit'.
“Tenho sempre comigo o meu caderno. Meu caderno é a minha 'gaiola de prender ideias'. Porque as ideias são entidades fugidias, pássaros. Elas vêm de repente e desaparecem tão misteriosamente como chegaram. Não se pode confiar na memória. Se as ideias não forem presas com palavras escritas no papel, elas serão esquecidas."
- Rubem Alves, em "Na companhia de Rubem Alves: livro de anotações para mulheres".
“Somos iguais aos animais: as mesmas coisas terríveis podem acontecer a eles e a nós. Mas somos diferentes deles porque eles só sofrem como devem sofrer, isto é, quando o terrível acontece. E nós, tolos, sofremos sem que ele tenha acontecido. Sofremos imaginando o terrível. O medo é a presença do terrível não acontecido apossando-se das nossas vidas. Ele pode acontecer? Mas ainda não aconteceu, nem se sabe se acontecerá. “
- Rubem Alves, em "Palavras para desatar nós".
"A vida me ensinou que a realidade é como uma piada e que não existe nada mais inútil que nossas projeções futurológicas: o final é sempre inesperado..."
- Rubem Alves, em "Na companhia de Rubem Alves: livro de anotações para mulheres”.
Rubem Alves ( 15 de setembro de 1933, Boa Esperança MG - 19 de julho de 2014, Campinas SP). Psicanalista, pedagogo, teólogo, ensaísta, poeta e filósofo brasileiro.