Patativa do Assaré

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Patativa do Assaré - Poemas com grafia original.



"Eu sou de uma terra que o povo padece

Mas nunca esmorece, procura vencê,

Da terra adorada, que a bela caboca

De riso na boca zomba no sofrê.


Não nego meu sangue, não nego meu nome,

Olho para fome e pergunto: o que há?

Eu sou brasilêro, fio do Nordeste,

Sou cabra da peste, sou do Ceará."

- Patativa do Assaré, do poema " Sou cabra da peste", em “Melhores poemas de Patativa do Assaré”.



Amanhã

Amanhã, ilusão doce e fagueira,

Linda rosa molhada pelo orvalho:

Amanhã, findarei o meu trabalho,

Amanhã, muito cedo, irei à feira.


Desta forma, na vida passageira,

Como aquele que vive do baralho,

Um espera a melhora no agasalho

E outro, a cura feliz de uma cegueira.


Com o belo amanhã que ilude a gente,

Cada qual anda alegre e sorridente,

Como quem vai atrás de um talismã.


Com o peito repleto de esperança,

Porém, nunca nós temos a lembrança

De que a morte também chega amanhã.

- Patativa do Assaré, do poema " Sou cabra da peste", em “Melhores poemas de Patativa do Assaré”.



Desilusão

Como a folha no vento pelo espaço

Eu sinto o coração aqui no peito,

De ilusão e de sonho já desfeito,

A bater e a pulsar com embaraço.


Se é de dia, vou indo passo a passo

Se é de noite, me estendo sobre o leito,

Para o mal incurável não há jeito,

É sem cura que eu vejo o meu fracasso.


Do parnaso não vejo o belo monte,

Minha estrela brilhante no horizonte

Me negou o seu raio de esperança,


Tudo triste em meu ser se manifesta,

Nesta vida cansada só me resta

As saudades do tempo de criança.

- Patativa do Assaré, em "Ispinho e Fulô".



Saudade

Saudade dentro do peito

É qual fogo de monturo

Por fora tudo perfeito,

Por dentro fazendo furo.


Há dor que mata a pessoa

Sem dó e sem piedade,

Porém não há dor que doa

Como a dor de uma saudade.


Saudade é um aperreio

Pra quem na vida gozou,

É um grande saco cheio

Daquilo que já passou.


Saudade é canto magoado

No coração de quem sente

É como a voz do passado

Ecoando no presente.


A saudade é jardineira

Que planta em peito qualquer

Quando ela planta cegueira

No coração da mulher,

Fica tal qual a frieira

Quanto mais coça mais quer.

- Patativa do Assaré, em "Ispinho e Fulô".



A Verdade e a mentira...

Foi a verdade e a mentira

Nascida no mesmo dia,

A verdade, no chão duro

Porque nada possuía

E a mentira por ser rica

Nascer na cama macia

E por causa disto mesmo

Criou logo antipatia,

Não gostava da verdade,

Temendo a sua energia,

Pois onde a mentira fosse

A verdade também ia

O que a mentira apoiava

A verdade não queria

O que a mentira formava

A verdade desfazia,

O segredo da mentira

A verdade descobria,

E a mentira esmorecendo

Vendo que não resistia

Chamou depressa o dinhêro

Para sua companhia,

Levou o dinhêro com ele

A inveja, a hipocrisia,

A ambição, a calúnia,

O orgulho, o crime e a ironia,

A soberba e a vaidade

Que são da mesma famia

E fizeo um tal fofó

Um ingôdo, uma ingrizia

Que a verdade pelejava

Pra desmanchá e não podia

E a mentira aposentou-se

Com esta grande quadria.

Depois, casou-se o dinherô

Com a sua prima anarquia

E com quatro ou cinco mês

Dela nasceu uma fia,

Caçaro logo os padrinho

Mas no mundo não havia

Satanaz com a mãe dele

Lhe apresentaro na pia

E com todo atrevimento

Com toda demagogia

Caçaro um nome bonito

Na sua infernal cartia

E dissero: essa menina

Se Chama democracia,

Tudo se danou de quente

E a verdade ficou fria.

- Patativa do Assaré, em "Ispinho e Fulô".



O poeta da roça

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,

Trabáio na roça, de inverno e de estio.

A minha choupana é tapada de barro,

Só fumo cigarro de páia de mío.


Sou poeta das brenha, não faço o papé

De argum menestré, ou errante cantô

Que veve vagando, com sua viola,

Cantando, pachola, à percura de amô.


Não tenho sabença, pois nunca estudei,

Apenas eu sei o meu nome assiná.

Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,

E o fio do pobre não pode estudá.


Meu verso rastêro, singelo e sem graça,

Não entra na praça, no rico salão,

Meu verso só entra no campo e na roça

Nas pobre paioça, da serra ao sertão.


Só canto o buliço da vida apertada,

Da lida pesada, das roça e dos eito.

E às vez, recordando a feliz mocidade,

Canto uma sodade que mora em meu peito.


Eu canto o cabôco com suas caçada,

Nas noite assombrada que tudo apavora,

Por dentro da mata, com tanta corage

Topando as visage chamada caipora.


Eu canto o vaquêro vestido de côro,

Brigando com o tôro no mato fechado,

Que pega na ponta do brabo novio,

Ganhando lugio do dono do gado.


Eu canto o mendigo de sujo farrapo,

Coberto de trapo e mochila na mão,

Que chora pedindo o socorro dos home,

E tomba de fome, sem casa e sem pão.


E assim, sem cobiça dos cofre luzente,

Eu vivo contente e feliz com a sorte,

Morando no campo, sem vê a cidade,

Cantando as verdade das coisa do Norte.

- Patativa do Assaré, em "Cante lá que eu canto cá". [Filosofia de um trovador nordestino].



Sina

Eu venho desde menino

Desde muito pequenino

Cumprindo o belo destino

Que me deu Nosso Senhor

Não nasci pra ser guerreiro

Nem infeliz estrangeiro

Eu num me entrego ao dinheiro

Só ao olhar do meu amor


Carrego nesses meus ombros

O sinal do Redentor

E tenho nessa parada

Quanto mais feliz eu sou


Eu nasci pra ser vaqueiro

Sou mais feliz brasileiro

Eu num invejo dinheiro

Nem diploma de doutor

- Patativa do Assaré (musicado e gravado por Fagner).


O peixe

Tendo por berço o lago cristalino,

Folga o peixe, a nadar todo inocente,

Medo ou receio do porvir não sente,

Pois vive incauto do fatal destino.


Se na ponta de um fio longo e fino

A isca avista, ferra-a insconsciente,

Ficando o pobre peixe de repente,

Preso ao anzol do pescador ladino.


O camponês, também, do nosso Estado,

Ante a campanha eleitoral, coitado!

Daquele peixe tem a mesma sorte.


Antes do pleito, festa, riso e gosto,

Depois do pleito, imposto e mais imposto.

Pobre matuto do sertão do Norte!

- Patativa do Assaré, em "Ispinho e Fulô".



Minha viola

Minha viola querida,

Certa vez, na minha vida,

De alma triste e dolorida

Resolvi te abandonar.

Porém, sem as notas belas

De tuas cordas singelas,

Vi meu fardo de mazelas

Cada vez mais aumentar.


Vaguei sem achar encosto,

Correu-me o pranto no rosto,

O pesadelo, o desgosto,

E outros martírios sem fim

Me faziam, com surpresa,

Ingratidão, aspereza,

E o fantasma da tristeza

Chorava junto de mim.


Voltei desapercebido,

Sem ilusão, sem sentido,

Humilhado e arrependido,

Para te pedir perdão,

Pois tu és a jóia santa

Que me prende, que me encanta

E aplaca a dor que quebranta

O trovador do sertão.


Sei que, com tua harmonia,

Não componho a fantasia

Da profunda poesia

Do poeta literato,

Porém, o verso na mente

Me brota constantemente,

Como as águas da nascente

Do pé da serra do Crato.


Viola, minha viola,

Minha verdadeira escola,

Que me ensina e me consola,

Neste mundo de meu Deus.

Se és a estrela do meu norte,

E o prazer da minha sorte,

Na hora da minha morte,

Como será nosso adeus?


Meu predileto instrumento,

Será grande o sofrimento,

Quando chegar o momento

De tudo se esvaicer,

Inspiração, verso e rima.

Irei viver lá em cima,

Tu ficas com tua prima,

Cá na terra, a padecer.


Porém, se na eternidade,

A gente tem liberdade

De também sentir saudade,

Será grande a minha dor,

Por saber que, nesta vida,

Minha viola querida

Há de passar constrangida

Às mãos de outro cantor.

- Patativa do Assaré, em “Melhores poemas de Patativa do Assaré”.




Patativa do Assaré - Antônio Gonçalves da Silva ( 05 de março de 1909, Assaré, Ceará - 08 de julho de 2002, Assaré, Ceará). Poeta, compositor e repentista brasileiro.