Olavo Bilac

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Olavo Bilac - Arte: Daniela Cagnoni



Ora (direis) ouvir estrelas!

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...


E conversamos toda a noite, enquanto

A via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.


Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?"


E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas".

- Olavo Bilac, em 'Via-Láctea - XIII’, 1888. Antologia: Poesias.



Dualismo

Não és bom, nem és mau: és triste e humano...

Vives ansiando, em maldições e preces,

Como se, a arder, no coração tivesses

O tumulto e o clamor de um largo oceano.


Pobre, no bem como no mal, padeces;

E, rolando num vórtice vesano,

Oscilas entre a crença e o desengano,

Entre esperanças e desinteresses.


Capaz de horrores e de ações sublimes,

Não ficas das virtudes satisfeito,

Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:


E, no perpétuo ideal que te devora,

Residem juntamente no teu peito

Um demônio que ruge e um deus que chora.

- Olavo Bilac, ‘Tarde’, Antologia: Poesias.



Consolação

Penso às vezes nos sonhos, nos amores,

Que inflamei à distância pelo espaço;

Penso nas ilusões do meu regaço

Levadas pelo vento a alheias dores...


Penso na multidão dos sofredores,

Que uma bênção tiveram do meu braço:

Talvez algum repouso ao seu cansaço,

Talvez ao seu deserto algumas flores...


Penso nas amizades sem raízes,

Nos afetos anônimos, dispersos,

Que tenho sob os céus de outros países...


Penso neste milagre dos meus versos:

Um pouco de modéstia aos mais felizes,

Um pouco de bondade aos mais perversos...

- Olavo Bilac ‘Tarde’, Antologia: Poesias.



Antígona

"Disse-me também o oráculo que

morrerei aqui, quando tremer a

terra, quando o trovão rolar,

quando o espaço brilhar..."

(Sófocles - Édipo em Colona.)


A terra treme. Rola o trovão. Brilha o espaço.

Chega Édipo a Colona, em andrajos, imundo,

Sombra ansiosa a fugir do próprio horror profundo,

Ruína humana a cair de miséria e cansaço.


Mas, quando o ancião vacila, órfão da luz do mundo,

- Antígona lhe estende o coração e o braço,

E, filha e irmã, recolhe ao maternal regaço

O rei sem trono, o pai sem honra, moribundo.


É o ninho (a terra treme...) amparando o carvalho,

A flor sustendo o tronco! Édipo (o espaço brilha...)

Sorri, como um combusto areal bebendo o orvalho.


É o fim (rola o trovão...) da miseranda sorte:

O cego vê, fitando o céu do olhar da filha,

Na cegueira o esplendor, e a redenção na morte.

- Olavo Bilac, ‘Tarde’, Antologia: Poesias.



Os sinos

Plangei, sinos! A terra ao nosso amor não basta...

Cansados de ânsias vis e de ambições ferozes,

Ardemos numa louca aspiração mais casta,

Para transmigrações, para metempsicoses!

Cantai, sinos! Daqui por onde o horror se arrasta,

Campas de rebeliões, bronzes de apoteoses,

Badalai, bimbalhai, tocai à esfera vasta!

Levai os nossos ais rolando em vossas vozes!

Em repiques de febre, em dobres a finados,

Em rebates de angústia, ó carrilhões, dos cimos

Tangei! Torres da fé, vibrai os nossos brados!

Dizei, sinos da terra, em clamores supremos,

Toda a nossa tortura aos astros de onde vimos,

Toda a nossa esperança aos astros aonde iremos!

- Olavo Bilac, em ‘Tarde’, 1919.



Beijo eterno

Quero um beijo sem fim,

Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!

Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,

Beija-me assim!

O ouvido fecha ao rumor

Do mundo, e beija-me, querida!

Vive só para mim, só para a minha vida,

Só para o meu amor!


Fora, repouse em paz

Dormida em calmo sono a calma natureza,

Ou se debata, das tormentas presa, -

Beija inda mais!

E, enquanto o brando calor

Sinto em meu peito de teu seio,

Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,

Com o mesmo ardente amor!


De arrebol a arrebol,

Vão-se os dias sem conto! E as noites, como os dias,

Sem conto vão-se, cálidas ou frias!

Rutile o sol

Esplêndido e abrasador!

No alto as estrelas coruscantes,

Tauxiando os largos céus, brilhem como diamantes!

Brilhe aqui dentro o amor!


Suceda a treva à luz!

Vele a noite de crepe a curva do horizonte;

Em véus de opala a madrugada aponte

Nos céus azuis,

E Vênus, como uma flor,

Brilhe, a sorrir, do ocaso à porta,

Brilhe à porta do Oriente! A treva e a luz – que importa?

Só nos importa o amor!


Raive o sol no Verão!

Venha o Outono! do Inverno os frígidos vapores

Toldem o céu! das aves e das flores

Venha a estação!

Que nos importa o esplendor

Da primavera, e o firmamento

Limpo, e o sol cintilante, e a neve, e a chuva, e o vento?

Beijemo-nos, amor!


Beijemo-nos! que o mar

Nossos beijos ouvindo, em pasmo a voz levante!

E cante o sol! a ave desperte e cante!

Cante o luar,

Cheio de um novo fulgor!

Cante a amplidão! cante a floresta!

E a natureza toda, em delirante festa,

Cante, cante este amor!


Rasgue-se, à noite, o véu

Das neblinas, e o vento inquira o monte e o vale:

“Quem canta assim?” E uma áurea estrela fale

Do alto do céu

Ao mar, presa de pavor:

“Que agitação estranha é aquela?”

E o mar adoce a voz, e à curiosa estrela

Responda que é o amor!


E a ave, ao sol da manhã,

Também,. a asa vibrando, à estrela que palpita

Responda, ao vê-la desmaiada e aflita:

“Que beijo, irmã!

Pudesses ver com que ardor

Eles se beijam loucamente!”

E inveje-nos a estrela... e apague o olhar dormente,

Morta, morta de amor!...

Diz tua boca: “Vem!”

“Inda mais!”, diz a minha, a soluçar... Exclama

Todo o meu corpo que o teu corpo chama:

“Morde também!”

Ai! morde! que doce é a dor

Que me entra as carnes, e as tortura!

Beija mais! Morde mais! Que eu morra de ventura,

Morto por teu amor!


Quero um beijo sem fim,

Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!

Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!

Beija-me assim!

O ouvido fecha ao rumor

Do mundo, e beija-me, querida!

Vive só para mim, só para minha vida,

Só para o meu amor!

- Olavo Bilac, Antologia: Poesias.



Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura:

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amo-te assim, desconhecida e obscura,

Tuba de alto clangor, lira singela,

Que tens o trom e o silvo da procela

E o arrolo da saudade e da ternura!


Amo o teu viço agreste e o teu aroma

De virgens selvas e de oceano largo!

Amo-te, ó rude e doloroso idioma,


Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"

E em que Camões chorou, no exílio amargo,

O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

- Olavo Bilac, em ‘Tarde’, 1919.



"Só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas."

- Olavo Bilac, em "Via Láctea", XIII.



Canção

Dá-me as pétalas de rosa

Dessa boca pequenina:

Vem com teu riso, formosa!

Vem com teu beijo, divina!


Transforma num paraíso

O inferno do meu desejo...

Formosa, vem com teu riso!

Divina, vem com teu beijo!


Oh! tu, que tornas radiosa

Minh’alma, que a dor domina,

Só com teu riso, formosa,

Só com teu beijo, divina!


Tenho frio, e não diviso

Luz na treva em que me vejo:

Dá-me o clarão do teu riso!

Dá-me fogo do teu beijo!

- Olavo Bilac, Antologia: Poesias.



Ciclo

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,

Promessa ardente, berço e liminar:

A árvore pulsa, no primeiro assomo

Da vida, inchando a seiva ao sol... Sonhar!


Dia. A flor, - o noivado e o beijo, como

Em perfumes um tálamo e um altar:

A árvore abre-se em riso, espera o pomo,

E canta à voz dos pássaros... Amar!


Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;

A árvore maternal levanta o fruto,

A hóstia da idéia em perfeição... Pensar!


Noite. Oh! saudade!... A dolorosa rama

Da árvore aflita pelo chão derrama

As folhas, como lágrimas... Lembrar!

- Olavo Bilac, ‘Tarde’,Antologia: Poesias.



A voz do amor

Nessa pupila rútila e molhada,

Refúgio arcano e sacro da Ternura,

A ampla noite do gozo e da loucura

Se desenrola, quente e embalsamada.


E quando a ansiosa vista desvairada

Embebo às vezes nessa noite escura,

Dela rompe uma voz, que, entrecortada

De soluços e cânticos, murmura...


É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,

Num concerto de súplicas e gritos

Conta a história de todos os amores;


E vêm por ela, rindo e blasfemando,

Almas serenas, corações aflitos,

Tempestades de lágrimas e flores...

-Olavo Bilac, Antologia: Poesias.






Olavo Bilac - Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac ( 16 de dezembro de 1865, Rio de Janeiro - 28 de dezembro de 1918, Rio de Janeiro). Jornalista, escritor e poeta brasileiro.