Maria Firmina dos Reis

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Maria Firmina dos Reis, em ilustração de Silvana Mendes. Não deixou fotografias, desenhos ou pinturas. As feições da escritora são totalmente desconhecidas.



Um bouquet

Ao aniversário de um jovem poeta Afeto e gratidão


Quis dar-te hoje — poeta,

Um mimo — não tenho amores;

Mas no peito ingênuas flores

Eduquei para te dar:

É hoje o dia faustoso,

Do teu grato aniversário;

Do meu peito no sacrário

Fui essas flores buscar.


Queria o bouquet tecer

De murta, acácia e alecrim,

Após a rosa, o jasmim,

Após o cravo, o martírio;

Vê, se então não era belo

Juntar-lhe rubra cravina,

Se a mimosa balsamina

Se intercalasse de lírio?


Era formoso, bem sei,

Podia assim to oferecer,

Neste dia de prazer,

Dia de infinda alegria;

Mas, ah! de tantas que havia

Flores mimosas no peito,

Nem sequer o amor perfeito

Pude encontrar neste dia…


Não, poeta — achei ainda,

Vegetando em soledade,

A triste, a roxa saudade,

Pura, intacta e mimosa.

Inda me resta no peito

Uma flor pra te ofr’ecer,

Uma flor para tecer,

Palma virente e formosa.


Aceita-a — é quanto me resta

Das minhas passadas flores!

Elas têm gratos olores,

Têm mimoso e terno encanto,

Recebe-a em teu coração

Neste teu festivo dia,

Como nota de harmonia,

Bem repassada de pranto.

-Maria Firmina dos Reis, “Cantos à Beira-Mar e Outros Poemas” (1871).



Ah! Não posso!

Se uma frase se pudesse

Do meu peito destacar;

Uma frase misteriosa

Como o gemido do mar,

Em noite erma, e saudosa,

Do meigo, e doce luar;


Ah! se pudesse!… mas muda

Sou, por lei, que me impõe Deus!

Essa frase maga encerra,

Resume os afetos meus;

Exprime o gozo dos anjos,

Extremos puros dos céus.


Entretanto, ela é meu sonho,

Meu ideal inda é ela;

Menos a vida eu amara

Embora fosse ela bela,

Como rubro diamante,

Sob finíssima tela.


Se dizê-la é meu empenho,

Reprimi-la é meu dever;

Se se escapar dos meus lábios,

Oh! Deus — fazei-me morrer!

Que eu pronunciando-a não posso

Mais — sobre a terra viver.

-Maria Firmina dos Reis, Cantos à Beira-Mar e Outros Poemas”.


Amor

Ah! sim eu quero rever-te a medo

Terno segredo ─ que em minh’alma habita;

Mas, vês? Eu tremo… teu sorriso anima:

Vê, se o que digo, o teu dizer imita...

Um ai poderá traduzir ─ n’um ai

Tudo o que pedes que eu te diga agora;

Mas tu não queres!… teu querer respeito.

Eia… coragem! dir-te-ei n’uma hora.

Oh! não te esqueças meu rubor, meu pejo,

Vê que eu vacilo… que eu perdi a cor;

Embora… escuta. Tu me amas? ─ dize

Eu te confesso que te voto amor...

- Maria Firmina dos Reis, no livro "Cantos à Beira-Mar".


Meditação

(À minha querida irmã - Amália Augusta dos Reis)


Vejamos pois esta deserta praia,

Que a meiga lua a pratear começa,

Com seu silêncio se harmoniza esta alma,

Que verga ao peso de uma sorte avessa.

Oh! meditemos na solidão da terra,

Nas vastas ribas deste imenso mar;

Ao som do vento, que sussurra triste,

Por entre os leques do gentil palmar.


O sol nas trevas se envolveu, - mistérios

Encerra a noite, - ela compr'ende a dor;

Talvez o manto, que estendeu no bosque,

Encubra um peito que gemeu de amor.


E o mar na praia como liso ondeia,

gemendo triste, sem furor - com mágoas...

Também meditas, oh! salgado pego -

Também partilhas desta vida as frágoas?...


E a branca lua a divagar no céu,

Como uma virgem nas solidões da terra;

Que doce encanto tem seu meigo aspecto,

E tanto enlevo sua tristeza encerra!


Sim, meditemos... quem gemeu no bosque,

Onde a florzinha a perfumar cativa?

Seria o vento? Ele passando ergueu

Do tronco a copa sobranceira, altiva.


Passou. E agora sufocando a custo

Meu peito o doce palpitar do amor,

Delícias bebe desterrando o susto,

Que a noite incute a semear pavor.


E um deleite inda melhor que a vida,

langor, quebranto, ou sofrimento ou dor;

Um quê de afetos meditando eu sinto,

Na erma noite, a me exaltar de amor.


Então a mente a divagar começa,

Criando afouta seu sonhado amor;

Zombando altiva de uma sorte avessa,

Que oprime a vida com fatal rigor.


E nessa hora a gotejar meu pranto,

Nas ermas ribas de saudoso mar,

Vagando a mente nesse doce encanto,

Dá vida ao ente, que criei p'ra amar.


E a doce imagem vaporosa, e bela,

Que a mente erguera, engrinaldou de amor,

Ergue-se vaga, melindrosa, e grata

Como fragrância de mimosa flor.


E o peito a envolve de extremoso afeto,

E dá-lhe a vida, que lhe dera Deus;

Ergue-lhe altares - lhe engrinalda a fronte,

Rende-lhe cultos, que só dera aos céus.


Colhe p'ra ela das roseiras belas,

Que aí cultiva - a mais singela flor:

E num suspiro vai depor-lhe as plantas,

Como oferenda - seu mimoso amor.


Mas, ah! somente a duração dum ai

Tem esse breve devanear da mente.

Volve-se a vida, que é só pranto, e dor,


E cessa o encanto do amoroso ente.

- Maria Firmina dos Reis, no livro "Cantos à beira mar".



Selo comemorativo da Academia Maranhense de Letras, 190 anos do nascimento de Maria Firmina dos Reis


Maria Firmina dos Reis ( 11 de março de 1822, São Luís MA - 11 de novembro de 1917, Guimarães MA). Professora, escritora e poeta brasileira. Em 1859 publicou um dos primeiros romances abolicionistas da literatura brasileira – Úrsula.