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José Saramago
Atualizado em
"O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca e que é preciso andar muito para alcançar o que está perto."
- José Saramago, em "Todos os nomes".
"Aí está uma palavra que soa bem, cheia de promessas e certezas, dizes metamorfose e segues adiante, parece que não vês que as palavras são rótulos que se pegam às cousas, não são as cousas, nunca saberá como são as cousas, nem sequer que nomes são na realidade os seus, porque os nomes que lhes deste não são mais que isso, os nomes que lhes deste."
- José Saramago, em "As intermitências da morte".
"Com as palavras todo cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas." [...] "Porque as palavras, se não o sabe, movem-se muito, mudam de um dia para o outro, são instáveis como sombras, sombras elas mesmas, que tanto estão como deixaram de estar, bolas de sabão, conchas de que mal se sente a respiração, troncos cortados."
- José Saramago, em "As intermitências da morte".
Aprendamos, amor
Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.
Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.
- José Saramago, em "Os poemas possíveis".
Venham enfim
Venham enfim as altas alegrias,
As ardentes auroras, as noites calmas,
Venha a paz desejada, as harmonias,
E o resgate do fruto, e a flor das almas.
Que venham, meu amor, porque estes dias
São morte cansada,
De raiva e agonias
E nada.
- José Saramago, em "Provavelmente alegria".
As palavras de amor
Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.
Deixemos que o silêncio dê sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia
Dizer amar na língua da semente?
- José Saramago, em "Provavelmente alegria".
Disseram que havia sol
Disseram que havia sol
Que todo o céu descobria
Que nas ramagens pousavam
Os cantos das aves loucas
Disseram que havia risos
Que as rosas se desdobravam
Que no silêncio dos campos
Se davam corpos e bocas
Mais disseram que era tarde
Que a tarde já descaía
Que ao amor não lhe bastavam
Estas nossas vidas poucas
E disseram que ao acento
De tão geral harmonia
Faltava a simples canção
Das nossas gargantas roucas
Ó meu amor estas vozes
São os avisos do tempo
- José Saramago, em "Provavelmente alegria".
Venho de longe...
Venho de longe, longe, e canto surdamente
Esta velha, tão velha, canção de rimas tortas,
E dizes que a cantei a outra gente,
Que outras mãos me abriram outras portas:
Mas, amor, eu venho neste passo
E grito, da lonjura das estradas,
Da poeira mordida e do tremor
Das carnes maltratadas,
Esta nova canção com que renasço.
- José Saramago, em "Provavelmente alegria".
Se não tenho outra voz...
Se não tenho outra voz que me desdobre
Em ecos doutros sons este silêncio,
É falar, ir falando, até que sobre
A palavra escondida do que penso.
É dizê-la, quebrado, entre desvios
De flecha que a si mesma se envenena,
Ou mar alto coalhado de navios
Onde o braço afogado nos acena.
É forçar para o fundo uma raiz
Quando a pedra cabal corta caminho
É lançar para cima quanto diz
Que mais árvore é o tronco mais sozinho.
Ela dirá, palavra descoberta,
Os ditos do costume de viver:
Esta hora que aperta e desaperta,
O não ver, o não ter, o quase ser
- José Saramago, em "Os poemas possíveis".
Onde
Onde os olhos se fecham; onde o tempo
Faz ressoar o búzio do silêncio;
Onde o claro desmaio se dissolve
No aroma dos nardos e do sexo;
Onde os membros são laços, e as bocas
Não respiram, arquejam violentas;
Onde os dedos retraçam novas órbitas
Pelo espaço dos corpos e dos astros;
Onde a breve agonia; onde na pele
Se confunde o suor; onde o amor.
- José Saramago, em "Provavelmente alegria".
No silêncio dos olhos
Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?
- José Saramago, em "Os poemas possíveis".
Não me peçam razões…
Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
- José Saramago, em "Os poemas possíveis".
Na ilha por vezes habitada...
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade,
e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres,
com a paz e o sorriso de quem se reconhece
e viajou à roda do mundo infatigável,
porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
- José Saramago, em "Provavelmente alegria".
Integral
Por um segundo, apenas, não ser eu:
Ser bicho, pedra, sol ou outro homem,
Deixar de ver o mundo desta altura,
Pesar o mais e o menos doutra vida.
Por um segundo, apenas, outros olhos,
Outra forma de ser e de pensar,
Esquecer quanto conheço, e da memória
Nada ficar, nem mesmo ser perdida.
Por um segundo, apenas, outra sombra,
Outro perfil no muro que separa,
Gritar com outra voz outra amargura,
Trocar por morte a morte prometida.
Por um segundo, apenas, encontrar
Mudado no teu corpo este meu corpo,
Por um segundo, apenas, e não mais:
Por mais te desejar, já conhecida.
- José Saramago, em "Os poemas possíveis".
Enigma
Um novo ser me nasce em cada hora.
O que fui, já esqueci. O que serei
Não guardará do ser que sou agora
Senão o cumprimento do que sei.
- José Saramago, em "Os poemas possíveis".
Arte poética
Vem de quê o poema?
De quanto serve
A traçar a esquadria da semente:
Flor ou erva, floresta e fruto.
Mas avançar um pé não é fazer jornada,
Nem pintura será a cor que não se inscreve
Em acerto rigoroso e harmonia.
Amor, se o há, com pouco se conforma
Se, por lazeres de alma acompanhada,
Do corpo lhe bastar a presciência.
Não se esquece o poema, não se adia,
Se o corpo da palavra for moldado
Em ritmo, segurança e consciência.
- José Saramago, em "Os poemas possíveis".
"O tempo pusera-se a contar os dias desde o princípio, agora usando a tábua de multiplicação para tirar o atraso. (...) O tempo, ainda que os relógios queiram convencer-nos do contrário, não é o mesmo para toda gente."
- José Saramago, em "Todos os nomes".
"Sem futuro, o presente não serve para nada, é como se não existisse, Pode ser que a humanidade venha a conseguir viver sem olhos mas então deixará de ser humanidade."
- José Saramago, em "Ensaio sobre a cegueira".
José Saramago ( 16 de novembro de 1922, Azinhaga, Portugal - 18 de junho de 2010, Lanzarote, nas Ilhas Canárias). Escritor e poeta português.