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Hermann Hesse
Atualizado em
PELOS CAMPOS
Pelos céus passam as nuvens,
sobre os campos sopra o vento,
pelos campos erra o filho
perdido de minha mãe.
Pelas ruas rolam folhas,
sobre as árvores há pássaros.
Sobre as montanhas, em algum lugar
minha pátria há de estar.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" ( tradução e prólogo de Geir Campos).
NUVEM MANSA
Minúscula, branca,
leve, sem rumor,
boia no azul uma nuvem:
volve teus olhos e sente
como em seu alvo frescor te conduz
feliz por entre sonhos azuis.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
SOL DE MARÇO
Embriagada de ardor matinal,
tonteia uma borboleta amarela.
Encolhido e com sono, um homem velho
descansa sentado junto à janela.
Entre as folhas da primavera, um dia
de viagem cantando partiu ele:
de uma porção de ruas a poeira
passou voando sobre os seus cabelos.
Naturalmente as árvores em flor
e as borboletas voando amarelas
parecem hoje as mesmas de outros tempos:
como se o tempo não tocasse nelas.
Os perfumes e as cores, entretanto,
tornaram-se mais finos e mais raros:
fez-se mais fria a luz, e o próprio ar
parece mais difícil respirar.
Como abelha a zumbir, a primavera
baixinho entoa os seus graciosos cantos:
a borboleta adeja em amarelo,
e o céu vibra em cristal de azul e branco.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
DIA CINZENTO DE INVERNO
É um dia cinzento de inverno
e sem luz quase em seu lugar:
velho ranzinza, ele não quer
que ninguém lhe venha falar.
Ouve o rio jovem correr
cheio de ímpeto e paixão:
vê nessa forte impaciência
uma inútil ostentação.
Aperta os olhos com desdém,
poupando um pouco mais de luz,
e sobre o rosto cai-lhe a neve
a encobri-lo como um capuz.
O estridular das gaivotas
irrita-lhe o sonho de velho,
tanto quanto na árvore calva
a briga ruidosa dos melros.
Ri-se de todas essas coisas,
em sua imensa presunção
– e vai deixando cair neve
até chegar a escuridão.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
CHEIRO DE OUTONO
Mais uma vez é um verão que nos abandona,
agonizando num temporal atrasado:
tranqüila a chuva rumoreja, enquanto um cheiro
amargo e tímido vem do bosque molhado.
Na relva pálida a liliácea se retesa
em meio a grande profusão de cogumelos;
tem-se a impressão de que se esconde e se retrai
o nosso vale, ontem ainda imenso e belo.
Retrai-se e cheira a timidez e a amargura
o mundo, com toda a claridade perdida:
prontos, olhamos o temporal atrasado,
pois acabou-se o sonho de verão da vida!
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
NOITE EM CLARO
A noite pálida de vento espia,
a lua espera mergulhar na mata.
que é que me força a estar desperto e olhar
em redor, com a dor a me inquietar?
Eu estava dormindo e até sonhando:
que foi que me acordou e assustou tanto,
em meio à noite, como se eu tivesse
esquecido a coisa mais importante?
Melhor seria eu deixar esta casa,
o jardim, a cidade, o país, tudo:
seguir esse chamado, essa palavra
mágica – e sempre mais, seguir o mundo.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
EM FACE DA PAZ
Para a festa de comemoração
do armistício na Rádio Basiléia
Do pesadelo de ódio e da embriaguez de sangue
acordando, ainda obumbrados e surdos
pelos clarões e ruídos mortíferos da guerra,
a tantos horrores já habituados,
das suas armas e das medonhas tarefas
diárias abrem mão
os cansados guerreiros.
“Paz” soa como o eco
de algum conto de fadas ou sonho de crianças:
“Paz” – e mal a alegrar-se
o coração se arrisca, vendo mais perto a lágrima.
Pobre de nós, humanos,
tão capazes do bem quanto do mal,
entre o deus e o animal! – Como pesava
a dor, hoje a vergonha pesa em nós com a cara no chão.
Mas temos esperança: em nosso peito
vive um ardente anelo
dos milagres do amor.
Irmãos! A nós compete
o retorno ao espírito e ao amor,
e se abrem para todos
os pedidos portões do paraíso!
Sabei querer! Esperar! Amar!
E a terra novamente vos pertencerá.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
REMINISCÊNCIA
Quem anda sempre a pensar no futuro
com objetivo e sentido na vida,
a esse cabem a ação e a ambição,
muito embora a tranqüilidade não.
O melhor mesmo seria viver
numa imperecedoura atualidade
– mas essa graça foi dada à criança
e a Deus, só, com exclusividade.
Tudo quanto é passado, para nós,
poetas, é consolo e alimento:
conjurar e guardar o conjurado
são nosso ofício de todo momento.
Flori de novo o que havia murchado,
o ancião ri com jovialidade,
e uma beatifica reminiscência
guarda tudo com toda a lealdade.
Para em épocas idas e infantis
podermos mergulhar ainda mais fundo,
para lembrarmo-nos em nossa mãe
– para isso viemos nós ao mundo.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
MELANCOLIA
À morte se consagram hoje todas
as que ainda ontem para mim ardiam:
uma por uma, vão caindo as flores
da árvore da melancolia.
Eu as vejo caindo, como cai
a neve em flocos sobre a minha senda:
já não se ouvem passos ressoando,
acerca-se o grande silêncio.
O céu já não tem mais nenhuma estrela,
nem mais o coração nenhum amor:
há silêncio na cinza da distância,
o mundo está velho e sem cor.
Quem é que pode ter o coração
a salvo, neste tempo de porfia?
Uma por uma, vão caindo as flores
da árvore da melancolia.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
À ESCUTA
Um som tão doce, um alento tão novo
passa através do dia acinzentado
qual tímido aroma de primavera,
qual adejar de pássaro assustado.
Das horas matinais da vida sopram
reminiscências
a tremer e passar
como aguaceiros de prata no mar.
De hoje para ontem tudo me parece
distante, e próximo do já esquecido:
com seus contos de fadas, para mim
o passado abre-se como um jardim.
Talvez agora acorde meu avô,
transcorridos mil anos de repouso,
e agora fale com a minha voz
e busque no meu sangue algum calor.
Talvez lá fora esteja um mensageiro
chegando cada vez mais junto a mim:
talvez eu me veja de novo em casa
ainda antes que este dia chegue ao fim.
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
ANDARES
Como emurchece toda flor, e toda idade
juvenil cede à senil – cada andar da vida
floresce, qual a sabedoria e a virtude,
a seu tempo, e não há de durar para sempre.
A cada chamado da vida o coração
deve estar pronto para a despedida e para
novo começo, com ânimo e sem lamúrias,
aberto sempre para novos compromissos.
Dentro de cada começar mora um encanto
que nos dá forças e nos ajuda a viver.
Devemos ir contentes, de um lugar a outro,
sem apegar-nos a nenhum como a uma pátria:
não nos quer atados, o espírito do mundo
– quer que cresçamos, subindo andar por andar.
Mal a um tipo de vida nos acomodamos
e habituamos, cerca-nos o abatimento.
Só quem se dispõe a partir e a ir em frente
pode escapar à rotina paralisante.
É bem possível que a hora da morte ainda
de novos planos ponha-nos na direção:
para nós, não tem fim o chamado da vida...
Saúda, pois, e despede-te, coração!
- Hermann Hesse, no livro "Andares: antologia poética" (tradução e prólogo de Geir Campos).
"Você já sabe onde se oculta esse outro mundo, já sabe que esse outro mundo que busca é a sua própria alma. Só em seu próprio interior vive aquela outra realidade por que anseia. Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo, não posso abrir-lhe outro mundo de imagens além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar, a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível seu próprio mundo, e isso é tudo."
- Hermann Hesse, no livro "O Lobo da Estepe" (tradução Ivo Barroso).
Hermann Hesse (02 de julho de 1877, Calw, Alemanha - 09 de agosto de 1962, Montagnola, Suíça). Escritor e poeta alemão, naturalizado suíco.