Hafiz

Publicado em
Atualizado em

Hafiz, por Abolhassan Sadigh



“Não te prendas a outros bens senão àqueles que podes levar contigo."

-Hafiz



O SEGREDO DAS ROSAS

Muitas vezes um coração pesado se alivia com um belo verso. Possas tu encontrar neste livro de cantos mais de um remédio à tua dor.


Tivesse eu em minha boca um beijo da tua – um só –, conservaria na alma o sinal desse beijo, e com este selo mágico, mais poderoso que o selo de Suleimão, teria em meu poder todos os reinos.


Porque choras assim? Observa sem espanto a flecha que o Destino te enterrou no coração. Olhando-a bem, talvez a julgues bela.


Não há quem não possua um dom da misericórdia divina: este, tem a taça; aquele, o amor.


Conheces o segredo das rosas e de sua essência: exibem-se as rosas no mercado, mas a essência está oculta.

-Hafiz



A LUA DA ESPERANÇA

A fênix da felicidade cairá num laço se te dignares – simplesmente – de passar perto de minha casa.


Quando minha alma esteve entregue, em sacrifício, aos teus lábios, acreditei que um gole de água pura me refrescaria a boca.


Se os reis são indignos de beijar a poeira de tua porta, que esperança posso nutrir de que respondas à minha saudação?


Todavia, ó Hafiz, não deixes, despeitado, essa porta; tenta a fortuna. Talvez o dado da sorte venha a cair em teu nome.


Na noite em que a lua da esperança se ergue no céu, que o seu reflexo de prata inunde a tua açoteia!

Quando Hafiz se refere à poeira de tua rua, as rosas do jardim da vida nos envolvem com o seu perfume.

-Hafiz


A PRIMAVERA

Ei-la que volta, a Primavera, com o encanto das rosas. Contempla-lhe as faces frescas, e a planta amarga da tristeza se desenraizará do teu coração.


Chegou o doce vento do Oeste. A rosa, que ao seu sopro desfalece, dilacerou as vestes gloriosas.


Ó coração, pede à água transparente a ciência da verdade.


A noiva da rosa, com suas joias e seus sorrisos, fez-me cativo o coração e arrebatou-lhe a fé.


O apaixonado rouxinol canta seu canto de amor, e alegra-se revendo a rosa enfim liberta do seu lar de tristeza.


Vê, Hafiz: a brisa com suas ágeis mãos emaranhou as tranças da rosa, e os anelados cabelos do jacinto caem molemente sobre o rosto do jasmim.

-Hafiz




EMBRIAGUEZ

A violeta inveja o aroma das tuas tranças, e ante a flor aberta do teu sorriso o botão de rosa dilacera as pétalas.


Ó Rosa, cujo perfume tanto me embriaga, não deixes morrer assim o teu rouxinol, cantor incansável da tua beleza.


Amar-te – eis o destino escrito em minha fronte. O pó do limiar de tua porta é o meu paraíso; teu radioso semblante, a minha alegria; teu prazer, o meu repouso.


O amor é um mendigo que em seus trapos esconde um tesouro, e aquele que pede esmola pode ganhar uma coroa.


Esta alucinação a que a embriaguez me leva, e o delírio do meu amor, não me permitirão descansar a cabeça enquanto não a tiver inclinado até à poeira que pisas.


Tua beleza é um jardim de flores, e Hafiz, de cantos tão doces, é o teu rouxinol.

-Hafiz



VOTOS DE AMANTE

Que a tua beleza cada dia mais resplandeça!


Que tua face de cores frescas, igual à tulipa, não deixe de me alegrar os olhos.


Que a visão do teu amor, brilhante como uma estrela, cintile cada vez mais no meu pensamento.


Que todas as belezas deste mundo se ponham ao serviço da tua beleza.


Inclinem-se todos os ciprestes diante da tua esbeltez.


Derramem sangue em vez de lágrimas os olhos rebeldes ao teu encanto.


Teu olhar, que sabe enfeitiçar todos os corações, seja ele dotado de todos os sortilégios.


Não conheça repouso nem paz o coração que de leve te possa ferir.


Que os teus lábios tão doces, mais caros a Hafiz que a sua própria alma, ignorem sempre os beijos indignos deles.

-Hafiz



LEMBRANÇA

Nada mais grato ao coração que a lembrança das palavras de amor.


Sob o zimbório arredondado deste quarto imagino ainda escutar-lhes o eco; mas o vinho rubro que bebi é apenas uma água amarga.


Poupa-me o coração, de há muito – e para sempre – embriagado pela tua beleza.


O narciso está morrendo de inveja dos teus olhos. Não alcançou o segredo da magia do teu olhar, e suas pétalas se fanaram.


De tão maravilhado com a tua beleza, o pintor andou fixando por toda parte, nas portas e paredes, a lembrança dela.


O coração de Hafiz veio um dia brincar em tuas tranças. Quis retornar, era tarde: ficou prisioneiro para sempre.

-Hafiz



CONTEMPLAR-TE!.

Ó lua do meu amor, mais vale contemplar-te, de coração tranquilo, que trazer a coroa de rei durante uma longa vida cheia de honrarias.


Como podem olhos tão belos ferir com tanto desdém a quem os admira?


Meu coração já não está contigo: partiste.


Meus olhos não se fartaram de te ver. Fora de ti não conheço pesar nem desejo.


Não brinques assim com as suas tranças, ó brisa nômade: por um só de seus cabelos Hafiz daria mil vezes a vida.

-Hafiz



Ó VENTO DA TARDE!

Teus negros cílios crivaram-me de frechas o coração! Jorrou de teus olhos uma chama em que ardem todas as minhas mágoas.


Doce companheira, perdes a lembrança daqueles que te amam.


Não chegue jamais o dia em que te esqueça, nem por um instante.


Este mundo é uma flor que murcha e passa. Oferecê-la-ei como penhor para guardar a minha Bem-Amada. Para mim, o soberano do mundo não é mais do que o humilde escravo do meu amor.


Se a Bem-Amada prefere a mim um estranho, submeto-me à sua vontade, eu que, no entanto, nada preferiria à Bem-Amada, – nem a própria vida.


A chama da paixão cruel me abrasa todo. Ó vento da tarde, refresca-me com o teu hálito, mas que esse hálito seja embalsamado pelo seu perfume.

-Hafiz



ESQUECESTES

Brisas cheirosas, ide para minha Amada. Brincai na sua cabeleira, e trazei-me, de volta, o perfume dela.


Dizei-lhe baixinho, ao ouvido, acariciando-a:


– "Volta para ele, não sejas cruel. Teu pobre amante morre a te esperar."


Dei-te o meu coração, mas comprei a tua alma! Não me imponhas o peso terrível da separação!


Quantas vezes tens esquecido o teu servo! Cumpre agora a promessa feita ao amigo fiel!


Ó coração, lança fora de ti este martírio! Sê paciente, enxuga as lágrimas!


Visto que Hafiz nada pode fazer para que retorne a Bem-Amada, conservai, olhos meus, a imagem dela.

-Hafiz



O AMANTE REPELIDO

O Amor e a Fé foram-se embora. A que roubou a minha alma disse: – "Não fiques mais por muito tempo junto de mim."


Mas acaso já ouviste dizer que um homem sentado, numa festa, para desfrutar a sua hora, se levante antes do fim?


Se o facho se pudesse vangloriar, seria de ter ardido a noite inteira diante de ti.


Ai! que a brisa da Primavera teve de se furtar às caricias das rosas...


Passaste – e logo eu vacilei como um ébrio. Os Anjos desceram em bando para te ver.

Em tua presença o orgulhoso cipreste secou, envergonhado, cheio de inveja de tua elegância e tua graça.”

-Hafiz




REFLEXO NA PAREDE

Meu desejo ainda não perdeu a esperança do teu beijo, esperança que vive sempre e me faz viver.


Meu coração perdeu-se na embalsamada noite da tua cabeleira. Como ficaria eu se este amor tivesse de acabar?


Um dia, meu nome aflorou aos lábios da Amada, e esse nome pareceu-me conter todas as alegrias da vida.


O sol faz dançar nas paredes do meu quarto o reflexo do teu rosto, e este reflexo brilha até na sombra da minha açoteia.


Teu lábio é um escanção. O vinho que ele verte me abrasa.


Que importa! Dá-me desse vinho: sou um estranho entre aqueles que possuem a ciência perfeita do Amor.


Tu me disseras: – "Abandona-me nas mãos a tua vida, e terás a paz." Dei sem pena a minha vida, e a paz não veio.

-Hafiz



ELA PARTIU

Um beijo, sequer, dos seus lábios, eu não lhe furtei... e ela partiu.


Seu rosto puro, mal cheguei a vê-lo – e ela partiu.


Nossa união, que sempre foi alegria, agora não é mais do que amargura. Não tive forças para detê-la: ela partiu.


Quanta ternura nas palavras que ela dissera baixinho: – "Jamais fugirei do círculo abençoado de teus braços, ó fonte do meu desejo!" Que doces caricias!... E ela partiu.


Ela dizia: – "Quem quer a alegria da minha presença deve renunciar a si mesmo.' Abandonei tudo... e ela partiu.


Como era altivo o seu andar! Com que nobre ar de rainha pisava a erva tenra e as flores! E eu não pude colher a rosa de sua boca... Ela partiu.


Ó Hafiz, cada fim de tarde te enche de saudades e de lágrimas. Ai de mim! ai de mim! Não pude, ao menos, dizer-lhe adeus... e ela partiu.

-Hafiz



A ARMADILHA DO AMOR

Ontem de manhã tentei beber uma ou duas taças, e dos lábios da taça o vinho caiu em meu coração.


Na alegria da embriaguez, eu evocava ardentemente a Amada de minha juventude; mas tinha-se feito entre nós a separação.


Sonhei que ainda lhe podia beijar os olhos divinos. A força, a paciência, tudo perdi, vítima de suas sobrancelhas arqueadas.


Ó Saki, dá-me sempre a taça: na viagem pela vida fora, qual o amante que não foi hipócrita?


Ó intérprete dos sonhos, anuncia-me felizes presságios! Esta noite, na alegria do sono matinal, o sol pareceu ter-se feito meu aliado.


À hora em que Hafiz escrevia estes versos cheios de inquietação, o pássaro do meu coração era preso na armadilha do Amor.

-Hafiz



TUDO ACABARÁ

Chegou-me feliz notícia: meus dias de tristeza estão contados; não durarão para sempre.


Disseram-me que, embora vítima da indiferença e desprezo da Bem-Amada, terei, no entanto, a alegria de não ver o meu rival feliz para sempre.


O guarda do portão tocará com a espada, e no harém ninguém ficará para sempre.


Ó chama, considera como um benefício do Céu o amor da borboleta: antes que anoiteça, o seu desejo estará morto para sempre.


Um anjo descido do Céu trouxe-me esta palavra: "Sobre a terra ninguém permanecerá para sempre."


Ó rico, apressa-te em socorrer ao pobre, pois o teu ouro e a tua prata não te pertencerão para sempre.


Na abóbada celeste as estrelas escrevem, em letras de fogo: "Tirante o ato do Justo, nada durará para sempre."


Ó Hafiz, continua generoso: o mal e a injustiça não triunfarão para sempre.

-Hafiz



OS BENS OCULTOS

O coração é o guarda-fogo atrás do qual se oculta o seu amor. Seus olhos são o espelho que lhe reflete a face.


Eu, que não curvaria a fronte nem diante deste mundo nem do outro, inclino a cabeça ao jugo de sua misericórdia.


Tu gozas da árvore do Paraíso, eu da lembrança da Bem-Amada. Assim é que os pensamentos de cada homem se formam à medida dos seus desejos.


Que faria eu neste lugar sagrado, onde tudo é um véu que me oculta o santuário da santidade?


Se manchei as vestes, que hei-de fazer? Todo o universo é testemunha da minha pureza.


Há muito que Medjnum morreu. Agora chegou a nossa vez. A cada homem são concedidos alguns dias na terra.


Da mão da Providência é que recebemos a felicidade, a riqueza e a alegria.


Se demos em penhor os nossos corações, que poderemos temer? O fim que temos em vista é a glória de sua salvação.


Não cesses de contemplar a imagem dela como o ídolo dos teus olhos. O silêncio é boa célula para a intimidade do pensamento.


Cada rosa que ri sobre a relva, numa alegria de cores, é um sinal da beleza e do perfume da sua generosidade.


Que importa que eu seja pobre? O coração de Hafiz é um tesouro de afeto.

-Hafiz



O ROUXINOL E A ROSA

Ao amanhecer, disse o Rouxinol à Rosa:

– "Não sejas tão desdenhosa; tantas outras aqui florescem iguais a ti, belas e perfumadas!"


E a Rosa sorridente respondeu: – "A verdade não me faz chorar; mas aquele que ama não fala assam, tão rudemente."


Quem nunca limpou a fronte da poeira de teu umbral, ó taverna, ignorará sempre o perfume do Amor.


Ontem, enquanto, no jardim de Iã, a brisa matutina agitava com o seu doce hálito a cabeleira do jacinto, eu gritei: – "Ó Djemschid, onde está, então, a taça mágica, que fazia adivinhar tantos mistérios?" E tive como resposta: – "Ai! o Destino ocultou-a para sempre."

-Hafiz



&


A língua do Amor não é a língua das palavras. Ó Hafiz, tantas perguntas e respostas vãs!

-Hafiz



&


Não permitas que teu ser interior seja ferido por aquilo

que tens ou não. Alegra-te porque cada coisa

Perfeita está a caminho da própria inexistência.


- Hafiz





Hafiz ou Hāfez - pseudônimo de Khwāja Šamsu d-Dīn Muḥammad Hāfez-e Šīrāzī.

Poeta nascido entre 1310 e 1337 na cidade de Xiraz na Pérsia, no sudoeste do atual Irã. Pertenceu à seita dos Sufis, místicos do Islă, que o chamavam "o intérprete dos segredos", "conhecedor da língua mística", "língua do invisível".