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Gonçalves Dias
Atualizado em
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá;As aves, que aqui gorjeiam,Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzeas têm mais flores,Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,Que tais não encontro eu cá;Em cismar - sozinho, à noite -Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,Sem que volte para lá;Sem que desfrute os primoresQue não encontro por cá;Sem qu’inda aviste as palmeiras,Onde canta o Sabiá.
-Gonçalves Dias, Coimbra, julho de 1843, no livro “Primeiros cantos”. Série ‘Poesias americanas’, 1846
Canção do Tamoio I
Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos! O homem que é forte Não teme da morte; Só teme fugir; No arco que entesa Tem certa uma presa, Quer seja tapuia, Condor ou tapir.
III
O forte, o cobarde Seus feitos inveja De o ver na peleja Garboso e feroz; E os tímidos velhos Nos graves conselhos, Curvadas as frontes, Escutam-lhe a voz!
IV
Domina, se vive; Se morre, descansa Dos seus na lembrança, Na voz do porvir. Não cures da vida! Sê bravo, sê forte! Não fujas da morte, Que a morte há de vir!
V
E pois que és meu filho, Meus brios reveste; Tamoio nasceste, Valente serás. Sê duro guerreiro, Robusto, fragueiro, Brasão dos tamoios Na guerra e na paz.
VI
Teu grito de guerra Retumbe aos ouvidos D’imigos transidos Por vil comoção; E tremam d’ouvi-lo Pior que o sibilo Das setas ligeiras, Pior que o trovão.
VII
E a mãe nessas tabas, Querendo calados Os filhos criados Na lei do terror; Teu nome lhes diga, Que a gente inimiga Talvez não escute Sem pranto, sem dor!
VIII
Porém se a fortuna, Traindo teus passos, Te arroja nos laços Do inimigo falaz! Na última hora Teus feitos memora, Tranquilo nos gestos, Impávido, audaz.
IX
E cai como o tronco Do raio tocado, Partido, rojado Por larga extensão; Assim morre o forte! No passo da morte Triunfa, conquista Mais alto brasão.
X
As armas ensaia, Penetra na vida: Pesada ou querida, Viver é lutar. Se o duro combate Os fracos abate, Aos fortes, aos bravos, Só pode exaltar.
-Gonçalves Dias
Ainda Uma Vez - Adeus
I
Enfim te vejo! - enfim posso, Curvado a teus pés, dizer-te, Que não cessei de querer-te, Pesar de quanto sofri. Muito penei! Cruas ânsias, Dos teus olhos afastado, Houveram-me acabrunhado A não lembrar-me de ti!
II
Dum mundo a outro impelido, Derramei os meus lamentos Nas surdas asas dos ventos, Do mar na crespa cerviz! Baldão, ludíbrio da sorte Em terra estranha, entre gente, Que alheios males não sente, Nem se condói do infeliz!
III
Louco, aflito, a saciar-me D’agravar minha ferida, Tomou-me tédio da vida, Passos da morte senti; Mas quase no passo extremo, No último arcar da esperança, Tu me vieste à lembrança: Quis viver mais e vivi!
IV
Vivi; pois Deus me guardava Para este lugar e hora! Depois de tanto, senhora, Ver-te e falar-te outra vez; Rever-me em teu rosto amigo, Pensar em quanto hei perdido, E este pranto dolorido Deixar correr a teus pés.
V
Mas que tens? Não me conheces? De mim afastas teu rosto? Pois tanto pôde o desgosto Transformar o rosto meu? Sei a aflição quanto pode, Sei quanto ela desfigura, E eu não vivi na ventura... Olha-me bem, que sou eu!
VI
Nenhuma voz me diriges!... Julgas-te acaso ofendida? Deste-me amor, e a vida Que me darias - bem sei; Mas lembrem-te aqueles feros Corações, que se meteram Entre nós; e se venceram, Mal sabes quanto lutei!
VII
Oh! se lutei!... mas devera Expor-te em pública praça, Como um alvo à populaça, Um alvo aos ditérios seus! Devera, podia acaso Tal sacrifício aceitar-te Para no cabo pagar-te, Meus dias unindo aos teus?
VIII
Devera, sim; mas pensava, Que de mim t’esquecerias, Que, sem mim, alegres dias T’esperavam; e em favor De minhas preces, contava Que o bom Deus me aceitaria O meu quinhão de alegria Pelo teu, quinhão de dor!
IX
Que me enganei, ora o vejo; Nadam-te os olhos em pranto, Arfa-te o peito, e no entanto Nem me podes encarar; Erro foi, mas não foi crime, Não te esqueci, eu to juro: Sacrifiquei meu futuro, Vida e glória por te amar!
X
Tudo, tudo; e na miséria Dum martírio prolongado, Lento, cruel, disfarçado, Que eu nem a ti confiei; “Ela é feliz (me dizia) Seu descanso é obra minha.” Negou-me a sorte mesquinha... Perdoa, que me enganei!
XI
Tantos encantos me tinham, Tanta ilusão me afagava De noite, quando acordava, De dia em sonhos talvez! Tudo isso agora onde para? Onde a ilusão dos meus sonhos? Tantos projetos risonhos, Tudo esse engano desfez!
XII
Enganei-me!... - Horrendo caos Nessas palavras se encerra, Quando do engano, quem erra. Não pode voltar atrás! Amarga irrisão! reflete: Quando eu gozar-te pudera, Mártir quis ser, cuidei qu’era... E um louco fui, nada mais!
XIII
Louco, julguei adornar-me Com palmas d’alta virtude! Que tinha eu bronco e rude C’o que se chama ideal? O meu eras tu, não outro; ’Stava em deixar minha vida Correr por ti conduzida, Pura, na ausência do mal.
XIV
Pensar eu que o teu destino Ligado ao meu, outro fora, Pensar que te vejo agora, Por culpa minha, infeliz; Pensar que a tua ventura Deus ab eterno a fizera, No meu caminho a pusera... E eu! eu fui que a não quis!
XV
És doutro agora, e pr’a sempre! Eu a mísero desterro Volto, chorando o meu erro, Quase descrendo dos céus! Dói-te de mim, pois me encontras Em tanta miséria posto, Que a expressão deste desgosto Será um crime ante Deus!
XVI
Dói-te de mim, que t’imploro Perdão, a teus pés curvado; Perdão!... de não ter ousado Viver contente e feliz! Perdão da minha miséria, Da dor que me rala o peito, E se do mal que te hei feito, Também do mal que me fiz!
XVII
Adeus qu’eu parto, senhora; Negou-me o fado inimigo Passar a vida contigo, Ter sepultura entre os meus; Negou-me nesta hora extrema, Por extrema despedida, Ouvir-te a voz comovida Soluçar um breve Adeus!
XVIII
Lerás porém algum dia Meus versos d’alma arrancados, D’amargo pranto banhados, Com sangue escritos; - e então Confio que te comovas, Que a minha dor te apiade Que chores, não de saudade, Nem de amor, - de compaixão.
-Gonçalves Dias
Gonçalves Dias - Antônio Gonçalves Dias (10 de agosto de 1823, Caxias MA - 03 de novembro de 1864, no baixo dos Atins, MA), poeta, professor, crítico de história, etnólogo e poeta brasileiro.