Goethe

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“Mas onde se deve procurar a liberdade é nos sentimentos. Esses é que são a essência viva da alma”.

- Johann Wolfgang von Goethe



"Deveríamos - dizia ele - diariamente ouvir ao menos uma pequena canção, ler um bom poema, admirar um quadro magnífico, e, se possível, pronunciar algumas palavras sensatas."

- Johann Wolfgang von Goethe citando 'Serlo', em "Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister". Livro V, Capitulo I (tradução Nicolino Simone Neto).



Canto dos espíritos sobre as águas

A alma do homem

É como a água:

Do céu vem,

Ao céu sobe,

E de novo tem

Que descer à terra,

Em mudança eterna.


Corre do alto

Rochedo a pino

O veio puro,

Então em belo

Pó de ondas de névoa

Desce à rocha liza,

E acolhido de manso

Vai, tudo velando,

Em baixo murmúrio,

Lá para as profundas.


Erguem-se penhascos

De encontro à queda,

— Vai, 'spúmando em raiva,

Degrau em degrau

Para o abismo.


No leito baixo

Desliza ao longo do vale relvado,

E no lago manso

Pascem seu rosto

Os astros todos.


Vento é da vaga

O belo amante;

Vento mistura do fundo ao cimo

Ondas 'spumantes.


Alma do Homem,

És bem como a água!

Destino do homem,

És bem como o vento!

- Johann Wolfgang von Goethe, em "Poemas" Goethe - Antologia (tradução de Paulo Quintela).



Livro do amor

O mais singular livro dos livros

É o livro do Amor;

Li-o com toda a atenção:

Poucas folhas de alegrias,

De dores cadernos inteiros.

Apartamento faz uma secção.

Reencontro! um breve capítulo,

Fragmentário. Volumes de mágoas

Alongados de comentários,

Infinitos, sem medida.

Ó Nisami! — mas no fim

Achaste o justo caminho;

O insolúvel, quem o resolve?

Os amantes que tornam a encontrar-se.

-Johann Wolfgang von Goethe, em "Divã Ocidental-Oriental" (tradução de Paulo Quintela).



O divino

Nobre Seja o homem,

Solicito e bom!

Pois isso apenas

O distingue

De todos os seres

Que conhecemos.


Louvemos os seres

Supremos, ignotos,

Que pressentimos!

A eles deve igualar-se o homem!

Que o seu exemplo nos ensine

A crer naqueles.


Pois insensível

É a Natureza:

O Sol alumia

Os maus e os bons,

E o criminoso

Vê como os melhores

Brilhar Lua e estrelas.


O vento e as torrentes

Trovão e granizo,

Desabam com estrondo

E atingem

No seu ímpeto

Um após outro.


Também a sorte anda

Às cegas entre a multidão

E escolhe, ora os cabelos

Inocentes do menino,

Ora a cabeça calva

Do culpado.


Grandes leis

Eternas, de bronze,

Regem os ciclos

Que todos temos de percorrer

Na nossa existência.

Divino

Mas só o homem

Consegue o impossível:

Pois sabe distinguir,

Escolher e julgar;

Por ele o instante

Ganha duração.


Só ele pode

Premiar os bons,

Castigar os maus,

Curar e salvar,

Unir com sentido

O que erra e se perde.


E nós veneramos

Os imortais

Como se homens fossem,

E em grande fizessem

O que em pequeno os melhores

Fazem ou desejam.


Que o homem nobre

Seja solícito e bom!

incansável, crie

O útil, o justo,

E nos seja exemplo

Daqueles seres que pressentimos!

- Johann Wolfgang von Goethe, em "Obras Escolhidas de Goethe - Poesia" (tradução João Barrento).



Mar calmo

Tranquilo, o mar não canta nem ondeia.

O nauta, imerso noutro mar de mágoas,

Os olhos tristes e úmidos passeia

Pela tranqüila quietação das águas.


A onda, que dorme quieta, não espuma;

O astro, que sonha plácido, não canta,

E em todo o vasto mar, em parte alguma

A mais pequena vaga se levanta.

- Johann Wolfgang von Goethe, em “GOETHE - Poesias Escolhidas” (tradução Francisca Júlia).



Reconciliação

Paixão traz sofrimento! — Quem alivia

De tanta perda o coração ferido?

Esvaem-se as mais belas horas do dia.

Para a beleza em vão foste escolhido!

Opaco o espírito, os desígnios confundidos;

A grandeza do mundo escapa-se aos sentidos!


Mas eis que em asas de anjo vem pairando

A música, que mil sons com sons casa,

A natureza humana penetrando,

Em rica dádiva de eterna beleza:

Os olhos húmidos sentem o supremo dom

Do divino valor da lágrima e do som.


E o coração aliviado sabe então

Que vive e bate e quer continuar,

Dando-se todo, em pura gratidão

Pelas graças que ela lhe quis dar.

Sentiu-se aí — ah, se assim sempre for...


A dupla felicidade dos sons e do amor.

- Johann Wolfgang von Goethe, do livro "Trilogia da Paixão", em "Obras Escolhidas de Goethe - Poesia" (tradução João Barrento).



Poemas são como vitrais pintados

Poemas são como vitrais pintados!

Se olharmos da praça para a igreja,

Tudo é escuro e sombrio;

E é assim que o Senhor Burguês os vê.

Ficará agastado? — Que lhe preste!...

E agastado fique toda a vida!


Mas — vamos! — vinde vós cá para dentro,

Saudai a sagrada capela!

De repente tudo é claro de cores:

Súbito brilham histórias e ornatos;

Sente-se um presságio neste esplendor nobre;

Isto, sim, que é pra vós, filhos de Deus!

Edificai-vos, regalai os olhos!

- Johann Wolfgang von Goethe, em "Poemas"- Antologia (tradução, notas e comentários de Paulo Quintela).



Pensamentos noturnos

Lastimo-vos, ó estrelas infelizes,

Que sois belas e brilhais tão radiosas,

Guiando de bom grado o marinheiro aflito,

Sem recompensa dos deuses ou dos homens:

Pois não amais, nunca conhecestes o amor!

Continuamente horas eternas levam

As vossas rondas pelo vasto céu.

Que viagem levastes já a cabo!,

Enquanto eu, entre os braços da amada,

De vós me esqueço e da meia-noite.

- Johann Wolfgang von Goethe, em "Canções" - "Poemas" Goethe - Antologia (tradução de Paulo Quintela).


Mignon

Conheces o país onde os limões florescem

E laranjas de ouro acendem a folhagem?

Sopra do céu azul uma doce viragem

Junto ao loureiro altivo os mirtos adormecem.

Conheces o país?


É onde, para onde

Eu quisera ir contigo, amado! Longe, longe!


Conheces o solar? O teto que descansa

Nas colunas, a sala, os quartos luminosos,

E as estátuas a olhar-me, os mármores zelosos:

Que fizeram a ti, minha pobre criança?

Conheces o solar?


É onde, para onde

Eu quisera ir contigo, amigo! Longe, longe!


Conheces a montanha e a vereda de bruma,

A alimária que busca a enevoada senda?

Nas grutas ainda vive o dragão da legenda,

A rocha cai em ponta e à roda a onda espuma,

Conheces a montanha?


É onde, para onde

Nosso caminho, pai, nos chama. Vamos. Longe.

- Johann Wolfgang von Goethe, "Da Atualidade de Goethe" (tradução Haroldo de Campos).



Fausto

Aqui estou eu: Filosofia,

Medicina e Jurisprudência,

E para meu mal até Teologia

Estudei a fundo, com paciência.

E reconheço, pobre diabo,

Que sei o mesmo, ao fim e ao cabo!

Chamam-me Mestre, Doutor, sei lá quê,

E há dez anos que o mundo me vê

Levando atrás de mim a eito

Fiéis discípulos a torto e a direito –

E afinal vejo: nosso saber é nada!

E de ficar com a alma amargurada.

Sei mais, é claro, que todos os patetas,

Mestres, doutores, escribas e padrecas;

Nem escrúpulos nem dúvidas eu temo,

E não receio nem Inferno nem demo –

Mas não me resta réstia de alegria,

Nem me iludo com vã sabedoria,

Nem creio que tenha nada a ensinar

À humanidade, que a possa salvar.

Também não tenho bens nem capitais,

Nem glórias ou honras mundanas.

Até um cão desta vida fugia!

Por isso me entreguei à magia,

Para ver se por força da mente

Tanto mistério se abre à minha frente;

Para que não tenha, com o fel que suei,

De dizer mais aquilo que não sei;

Para conhecer os segredos que o mundo

Sustentam no seu âmago mais fundo,

Para intuir forças vivas, sementes,

E largar as palavras indigentes.

Ah, viesses tu, doce luar,

Envolver minha última dor!

Tu, que por noites adentro

Esperei a esta banca, atento:

Sobre a livralhada babilônica

Vinhas, amiga melancólica!

Ah, pudesse eu por esses cumes

Andar sob teus brandos lumes,

Pairar em grutas com seres alados,

Ao teu crepúsculo errar pelos prados,

E, livre das névoas do saber,

Em teu orvalho renascer!

[...]

- Johann Wolfgang von Goethe, em "Fausto" (tradução João Barrento).



"A vida humana não passa de um sonho. Mais de uma pessoa já pensou nisso. Pois essa impressão também me acompanha por toda a parte. Quando vejo os estreitos limites onde se acham encerradas as faculdades ativas e investigadoras do homem, e como todo o nosso trabalho visa apenas a satisfazer nossas necessidades, as quais, por sua vez, não têm outro objetivo senão prolongar nossa mesquinha existência; quando verifico que o nosso espírito só pode encontrar tranquilidade, quanto a certos pontos das nossas pesquisas, por meio de uma resignação povoada de sonhos, como um presidiário que adornasse de figuras multicoloridas e luminosas perspectivas as paredes da sua cela… tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo! Mas, também aí, é um mundo de pressentimentos e desejos obscuros e não de imagens nítidas e forças vivas. Tudo flutua vagamente nos meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando, prossigo na minha viagem através do mundo."

- Johann Wolfgang von Goethe, (trecho) "Os sofrimentos do Jovem Werther".





Goethe, por Joseph Karl Stieler (1828)



Johann Wolfgang von Goethe (28 de agosto de 1749, Weimar, Alemanha - 22 de março de 1832, Frankfurt, Alemanha). Filósofo, estadista, cientista, teórico de arte, escritor e poeta alemão.