Federico García Lorca

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"Não só de pão vive o homem. Eu se tivesse fome e estivesse à míngua na rua não pediria um pão; pediria meio pão e um livro. E daqui eu ataco violentamente aos que somente falam de reivindicações econômicas sem jamais apontar as reivindicações culturais que é o que os povos pedem aos gritos”.

-Federico Garcia Lorca


“Bem está que todos os homens comam, porém que todos os homens saibam. Que desfrutem de todos os frutos do espírito humano porque o contrário seria convertê-los em máquinas a serviço do Estado, seria convertê-los em escravos de uma terrível organização social”.

- Federico García Lorca, em setembro de 1931.



Este é o prólogo

Deixaria neste livro

toda a minha alma.

este livro que viu

as paisagens comigo

e viveu horas santas.


Que pena dos livros

que nos enchem as mãos

de rosas e de estrelas

e lentamente passam!


Que tristeza tão funda

é olhar os retábulos

de dores e de penas

que um coração levanta!


Ver passar os espectros

de vida que se apagam,

ver o homem desnudo

em Pégaso sem asas,


ver a vida e a morte,

a síntese do mundo,

que em espaços profundos

se olham e se abraçam.


Um livro de poesias

é o outono morto:

os versos são as folhas

negras em terras brancas,


e a voz que os lê

é o sopro do vento

que lhes incute nos peitos

- entranháveis distâncias.


O poeta é uma árvore

com frutos de tristeza

e com folhas murchas

de chorar o que ama.


O poeta é o médium

da Natureza

que explica sua grandeza

por meio de palavras.


O poeta compreende

todo o incompreensível

e as coisas que se odeiam,

ele, amigas as chama.


Sabe que as veredas

são todas impossíveis,

e por isso de noite

vai por elas com calma.


Nos livros de versos,

entre rosas de sangue,

vão passando as tristes

e eternas caravanas


que fizeram ao poeta

quando chora nas tardes,

rodeado e cingido

por seus próprios fantasmas.


Poesia é amargura,

mel celeste que mana

de um favo invisível

que as almas fabricam.


Poesia é o impossível

feito possível. Harpa

que tem em vez de cordas

corações e chamas.


Poesia é a vida

que cruzamos com ânsia,

esperando o que leva

sem rumo a nossa barca.


Livros doces de versos

sãos os astros que passam

pelo silêncio mudo

para o reino do Nada,

escrevendo no céu

suas estrofes de prata.


Oh! que penas tão fundas

e nunca remediadas,

as vozes dolorosas

que os poetas cantam!


Deixaria neste livro

toda a minha alma…

- Federico García Lorca, em "Poemas sueltos", no livro 'Obra poética completa' (tradução de William Agel de Mello).



Canção outonal

Novembro de 1918

(Granada)


Hoje sinto no coração

um vago tremor de estrelas,

mas minha senda se perde

na alma da névoa.

A luz me quebra as asas

e a dor de minha tristeza

vai molhando as recordações

na fonte da idéia.


Todas as rosas são brancas,

tão brancas como minha pena,

e não são as rosas brancas

porque nevou sobre elas.

Antes tiveram o íris.

Também sobre a alma neva.

A neve da alma tem

copos de beijos e cenas

que se fundiram na sombra

ou na luz de quem as pensa.


A neve cai das rosas,

mas a da alma fica,

e a garra dos anos

faz um sudário com elas.


Desfazer-se-á a neve

quando a morte nos levar?

Ou depois haverá outra neve

e outras rosas mais perfeitas?

Haverá paz entre nós

como Cristo nos ensina?

Ou nunca será possível

a solução do problema?


E se o amor nos engana?

Quem a vida nos alenta

se o crepúsculo nos funde

na verdadeira ciência

do Bem que quiçá não exista,

e do mal que palpita perto?


Se a esperança se apaga

e a Babel começa,

que tocha iluminará

os caminhos na Terra?

Se o azul é um sonho,

que será da inocência?

Que será do coração

se o Amor não tem flechas?


Se a morte é a morte,

que será dos poetas

e das coisas adormecidas

que já ninguém delas se recorda?

Oh! sol das esperanças!

Água clara! Lua nova!

Corações dos meninos!

Almas rudes das pedras!

Hoje sinto no coração

um vago tremor de estrelas

e todas as coisas são

tão brancas como minha pena.

- García Lorca, "Antologia poética" (tradução, seleção e apresentação de William Agel de Mello).



Partiu-se o sol

Partiu-se o sol

entre nuvens de cobre.

Dos montes azuis chega um ar sonoro.

No prado do céu,

entre flores de estrelas,

a lua vai em crescente

como um garfo de ouro.


Pelo campo (que espera os tropéis de almas),

vou carregado de pena,

pelo caminho só;

porém o meu coração

um raro sonho canta

de uma paixão oculta

a distância sem fundo.


Ecos de mãos brancas

sobre a minha fronte fria,

paixão que se madurou

com pranto de meus olhos!

- Federico García Lorca, em "Poemas esparsos". no livro “Obra poética completa" (tradução de William Agel de Mello).



O poeta pede a seu amor que lhe escreva

Amor de minhas entranhas, morte viva,

em vão espero tua palavra escrita

e penso, com a flor que se murcha,

que se vivo sem mim quero perder-te.


O ar é imortal. A pedra inerte

nem conhece a sombra nem a evita.

Coração interior não necessita

o mel gelado que a lua verte.


Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,

tigre e pomba, sobre tua cintura

em duelo de mordiscos e açucenas.


Enche, pois, de palavras minha loucura

ou deixa-me viver em minha serena

noite da alma para sempre escura.

- Federico García Lorca, em "Poemas esparsos". no livro “Obra poética completa” ( tradução de William Agel de Mello).








Federico García Lorca (05 de junho de 1898, Fuente Vaqueros, Espanha - 18 de agosto de 1936, Granada, Espanha). Poeta e dramaturgo espanhol.