Deborah Brennand

Publicado em
Atualizado em


Sempre

Assim, além da cerca, eu espero,

O quê? Não sei. Espero.

Embora só o vento chegue

todo arranhado, em gemidos,

caindo e já sem sentidos


Jogue aos meus pés as folhas secas.

- Deborah Brennand, em "Poesia reunida".


Meu bem

A noite não é uma vela

negra e sem lume,

não é um cacho de uvas

sombrio no parreiral.


Não é aquela borboleta

com asas escuras na mata,

menos ainda é um túmulo

com estrelas douradas.


A noite é, meu bem,


só a origem da claridade.

- Deborah Brennand, em "Poesia reunida".



Claridade

Afortunados são os bosques

onde sem bridas

a luz campeia

entre as folhagens


suas crinas douradas


Tão leve se lustra a água

na medida exata

que os rebanhos bebem

junto às raposas


sem temor selvagem.


Por que só a mim discrimina a claridade?

- Deborah Brennand, em "Claridade".



De amarelo

Hoje devo me vestir de amarelo:

espantar os olhos negros da solidão,

tal a luz do girassol de ouro dourado

que abre pétalas iluminando nuvens.


Quem saberá (nem ela mesma) o artifício

usado para enganá-la? Sonhos? Jardins?

Não digo. Hoje me visto de amarelo

e vou, nos ramos, entoar da ave o canto.


Quero espantar olhos de solidão

que vem das grutas e abandona montes

para comer a relva rubra do meu coração.

Mas hoje, de amarelo, espantarei a fera



Fugindo, à procura de outra vítima:

Quem sabe, a mata?

- Deborah Brennand, em "Poesia reunida".



Sem preconceito

Senta no primeiro degrau

o mais baixo, todo esmagado,

onde a pedra se une à terra

sem preconceitos.


Ambas têm veios negros.


E sê atenta aos sinais

a alma é muda. Mas,

o coração entende

e traduz bem


o que ela diz calada.


Escuta e sê atenta

lodo e escorpiões

juntos nas frestas

fingem amorosa inocência.


Sem preconceito, são inocentes?

- Deborah Brennand, em "Poesia reunida".



Você só diz

O que eu não quero ouvir.

Não fala de uma ilha

onde nasce um rio

que deságua céus.


Não lembra caminhos

indo, indo se esconderem

em matos e pedras.


Não ergue o facâo do sol

e faz zunir centelhas

nas alamedas do estio.


Nem traz assombros

de ramagens na noite

pisando o carmim das flores.


Você só diz – Eu te amo.


Assim não dá, é pouco

muito pouco para se levar a vida.

- Deborah Brennand, em "Folhagens".



"Eu não sei porque comecei a escrever poesia. É uma questão de sobrevivência. O pássaro sabe porque voa? Não. Então também não sei [porque escrevo]."

- Deborah Brennand, em "Letras verdes", 2002.


Francisco Brennand (artista plástico) e Deborah Brennand, 1950



Deborah Brennand (12 de fevereiro de 1927, Nazaré da Mata PE - 26 de abril de 2015, Recife PE). Poetisa brasileira.