Cora Coralina

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Acervo Museu Casa de Cora Coralina



"A estrada da vida é uma reta marcada de encruzilhadas.

Caminhos certos e errados, encontros e desencontros

do começo ao fim.

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina."

- Cora Coralina, trecho do poema "Exaltação a Aninha (o professor)", do livro "Vintém de cobre: meias confissões de Aninha".



“Quando escrevo, escrevo por um impulso interior que me vem do insondável que cada um de nós trás consigo. Mas uma coisa eu digo a você: ontem nós falamos nas pessoas que ainda estão voltadas para o passado. [...] E eu digo a você: não há ninguém que não faça sua volta ao passado ao escrever. Nós todos fazemos. Nós todos pertencemos ao passado. Todos nós. Queira ou não queira. É de uma forma instintiva. Nós todos estamos ligados muito mais aos nossos avós do que aos nossos pais.”

- Cora Coralina, em "Cora Política Coralina". Jornal de Brasília, 7 outubro de 1984.



Ressalva

Este livro foi escrito

por uma mulher

que no tarde da Vida

recria e poetiza sua própria

Vida.


Este livro

foi escrito por uma mulher

que fez a escalada da

Montanha da Vida

removendo pedras

e plantando flores.


Este livro:

Versos... Não.

Poesia... Não.


Um modo diferente de contar velhas estórias.

- Cora Coralina, em "Poema dos becos de Goiás e estórias mais".



Das Pedras

Ajuntei todas as pedras

que vieram sobre mim.

Levantei uma escada muito alta

e no alto subi.

Teci um tapete floreado

e no sonho me perdi.


Uma estrada,

um leito,

uma casa,

um companheiro.

Tudo de pedra.


Entre pedras

cresceu a minha poesia.

Minha vida...

Quebrando pedras

e plantando flores


Entre pedras que me esmagavam

levantei a pedra rude

dos meus versos.


-Cora Coralina, em "Meu livro de cordel".



Ofertas de Aninha

(Aos moços)


Eu sou aquela mulher

a quem o tempo

muito ensinou.

Ensinou a amar a vida.

Não desistir da luta.

Recomeçar na derrota.

Renunciar a palavras e pensamentos negativos.

Acreditar nos valores humanos.

Ser otimista.


Creio numa força imanente

que vai ligando a família humana

numa corrente luminosa

de fraternidade universal.

Creio na solidariedade humana.

Creio na superação dos erros

e angústias do presente.


Acredito nos moços.

Exalto sua confiança,

generosidade e idealismo.

Creio nos milagres da ciência

e na descoberta de uma profilaxia

futura dos erros e violências do presente.


Aprendi que mais vale lutar

Do que recolher dinheiro fácil.

Antes acreditar do que duvidar.

- Cora Coralina, no livro "Vintém de cobre: meias confissões de Aninha".



Aprende…

Tu encontrarás sempre no teu caminho alguém para a lição de que precisas. Aprende, mesmo que não queiras. . A boa lição… Alguém sempre a precisar. Feliz é o que aprende. Errar é humano, diz a sabedoria popular. Insistir no erro é obstinação. Pecado contra o Espírito Santo. Aquele que reconhece seu erro, está no caminho da perfeição. Aquele que confessa e se arrepende, caminha para a salvação.

Reconhece teu erro. Mesmo que custe muito, ao teu orgulho e vaidade.

Jamais justifique o errado. “Fulano foi o culpado,” Arrepender e reparar é o caminho certo da Paz espiritual.

Um dia, um salteador, condenado ao suplício, reconheceu seus erros, e justificou o inocente. E o que foi que aconteceu com ele? – Cora Coralina, do “Nos reinos de Goiás e outros”, no livro “Vintém de cobre: meias confissões de Aninha”.

Recados de Aninha – I Meu jovem, a vida é boa, e você cantando o cântico da mocidade pode fazê-la melhor. E o melhor da vida é o trabalho. No trabalho está a poesia e o ideal, assim possa sentir o poeta. Só o trabalhador sabe do mistério de uma semente germinando na terra. Só o cavador pode ver a cor verde se tornar azul. . Ele, na flor, já viu o fruto e no fruto prevê a semente. E sabe que uma cana de milho, uma braçada de folhas e palhas na terra é vida que se renova. Que sabe você, jovem poeta, da fala das sementes? Um poeta parnasiano do passado, conversava com as estrelas, foi coisa linda no tempo. . Converse, você, poeta destes tempos novos, converse com as sementes e as folhas caídas que pisa distraído. Você vai sobre rodas e caminha sobre vidas que o asfalto recobriu. Quem fala essa mensagem é uma mulher muito antiga que entende a fala e a vida de um monte de lixo que vê da janela da Casa Velha da Ponte, lá do outro lado do rio, nos reinos da minha cidade.

A vida é boa. Saber viver é a grande sabedoria. Saber viver é dar maior dignidade ao trabalho. Fazer bem feito tudo que houver de ser feito. Seja bordar um painel em fios de seda ou lavar uma panela coscorenta. Todo trabalho é digno de ser bem feito.

Coisa sagrada o trabalho do homem. A dignidade de um profissional. A seriedade de um operário, sua competência. Respeito maior o trabalho obscuro do braçal, identificado com a terra, com a semente, com a chuva, com o paiol, com o rego d’água. Coisa mais nobre a porteira do sítio, o batente da casa, o banco rústico, a mesa coberta com uma toalha de tear. A taipa doméstica, rebrilhante e acesa. Coisa mais urgente? A presença do homem na casa. Homem culto da cidade, num encontro com o da roça com sua enxada ao ombro, ceda a ele sua preferência. Ele tem obrigação que você desconhece. Você veste e se alimenta da semente que ele aninha na terra. Você é um cidadão, ele é um lavrador. – Cora Coralina, em “Vintém de cobre: meias confissões de Aninha”.


“Nós temos dentro de nós um porãozinho. Ele abre e fecha automaticamente. E as coisas caíram dentro do meu porão. E o porão se fechou. E ficou fechado durante quarenta e cinco anos. O tempo todo que eu estive fora da minha cidade. E eu senti a necessidade de abrir esse porão voltando. Lá não. Tinha que voltar para abrir o porão. Aqui é que o meu porão tinha que ser aberto soltando as coisas de

dentro. Soltando o passado de dentro.”

-Cora Coralina


Aninha e suas Pedras

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.

- Cora Coralina, em "Vintém de cobre: meias confissões de Aninha".


Museu Casa de Cora Coralina (foto do acervo)


Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas ( 20 de agosto de 1889, Goiás, GO - 10 de abril de 1985, Goiânia, GO). Doceira por profissão, escritora e poetisa por vocação. Aos 76 anos publicou o seu primeiro livro, “Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais”.