Bertolt Brecht

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Bertolt Brecht - foto: Josef Breitenbach (Paris, 1937)



O NASCIDO DEPOIS

Eu confesso: eu

Não tenho esperança.

Os cegos falam de uma saída. Eu

Vejo.

Após os erros terem sido usados

Como última companhia, à nossa frente

Senta-se o Nada.

-Bertolt Brecht, “Poemas 1913-1956” (seleção e tradução de Paulo César de Souza).



A PRIMAVERA

1

A primavera chega.

O jogo dos sexos se renova

Os amantes se procuram.

Um toque gentil da mão do seu amado

Faz o peito da moça estremecer.

Dela, um simples olhar o seduz.


2

Sob nova luz

Aparece a paisagem aos amantes na primavera.

Numa grande altura são vistos

Os primeiros bandos de pássaros.

O ar se torna cálido.

Os dias se tornam longos

E os campos ficam claros por longo tempo.


3

Desmedido é o crescimento

Das árvores e pastagens da primavera.

É a floresta, e os prados e os jardins.

A terra faz nascer o novo

Sem medo.


-Bertolt Brecht, “Poemas 1913-1956” (seleção e tradução de Paulo César de Souza).



ACREDITE APENAS

Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvem!

Também não acredite no que seus olhos vêem e seus ouvidos ouvem!

Saiba também que não crer algo significa algo crer!


-Bertolt Brecht, “Poemas 1913-1956” (seleção e tradução de Paulo César de Souza).



AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS

I

Realmente, vivemos tempos sombrios!

A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas

denota insensibilidade. Aquele que ri

ainda não recebeu a terrível notícia

que está para chegar.


Que tempos são estes, em que

é quase um delito

falar de coisas inocentes.

Pois implica silenciar tantos horrores!

Esse que cruza tranqüilamente a rua

não poderá jamais ser encontrado

pelos amigos que precisam de ajuda?


É certo: ganho o meu pão ainda,

Mas acreditai-me: é pura casualidade.

Nada do que faço justifica

que eu possa comer até fartar-me.

Por enquanto as coisas me correm bem

(se a sorte me abandonar estou perdido).

E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"


Mas como posso comer e beber,

se ao faminto arrebato o que como,

se o copo de água falta ao sedento?

E todavia continuo comendo e bebendo.


Também gostaria de ser um sábio.

Os livros antigos nos falam da sabedoria:

é quedar-se afastado das lutas do mundo

e, sem temores,

deixar correr o breve tempo. Mas

evitar a violência,

retribuir o mal com o bem,

não satisfazer os desejos, antes esquecê-los

é o que chamam sabedoria.

E eu não posso fazê-lo. Realmente,

vivemos tempos sombrios.


II

Para as cidades vim em tempos de desordem,

quando reinava a fome.

Misturei-me aos homens em tempos turbulentos

e indignei-me com eles.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.


Comi o meu pão em meio às batalhas.

Deitei-me para dormir entre os assassinos.

Do amor me ocupei descuidadamente

e não tive paciência com a Natureza.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.


No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.

A palavra traiu-me ante o verdugo.

Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes

Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.


As forças eram escassas. E a meta

achava-se muito distante.

Pude divisá-la claramente,

ainda quando parecia, para mim, inatingível.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.


III

Vós, que surgireis da maré

em que perecemos,

lembrai-vos também,

quando falardes das nossas fraquezas,

lembrai-vos dos tempos sombrios

de que pudestes escapar.


Íamos, com efeito,

mudando mais freqüentemente de país

do que de sapatos,

através das lutas de classes,

desesperados,

quando havia só injustiça e nenhuma indignação.


E, contudo, sabemos

que também o ódio contra a baixeza

endurece a voz. Ah, os que quisemos

preparar terreno para a bondade

não pudemos ser bons.

Vós, porém, quando chegar o momento

em que o homem seja bom para o homem,

lembrai-vos de nós

com indulgência.


- Bertolt Brecht (Tradução Manuel Bandeira).



REGAR O JARDIM

Regar o jardim, para animar o verde!

Dar água às plantas sedentas! Dê mais que o bastante.

E não esqueça os arbustos, também

Os sem frutos, os exaustos

E avaros! E não negligencie

As ervas entre as flores, que também

Têm sede. Nem molhe apenas

A relva fresca ou somente a ressecada:

Refresque também o solo nu.

-Bertolt Brecht, “Poemas 1913-1956” (seleção e tradução de Paulo César de Souza).



EPITÁFIO

Escapei aos tigres

Nutri os percevejos

Fui devorado

Pela mediocridade.

- Bertolt Brecht, em "O duplo compromisso de Bertolt Brecht" (tradução Haroldo de Campos).



SOUBE QUE VOCÊS NADA QUEREM APRENDER

Soube que vocês nada querem aprender Então devo concluir que são milionários. Seu futuro está garantido – à sua frente Iluminado. Seus pais Cuidaram para que seus pés Não topassem com nenhuma pedra. Neste caso Você nada precisa aprender. Assim como está Pode ficar.

Havendo dificuldades, pois os tempos Como ouvi dizer, são incertos Você tem seus líderes, que lhe dizem exatamente O que tem a fazer, para que vocês estejam bem. Eles leram aqueles que sabem As verdades válidas para todos os tempos E as receitas que sempre funcionam. Onde há tantos a seu favor Você não precisa levantar um dedo. Sem dúvida, porém, se fosse diferente Você teria o que aprender.

-Bertolt Brecht, “Poemas 1913-1956” (seleção e tradução de Paulo César de Souza).


ELOGIO DA DIALÉTICA

A injustiça vai por aí com passe firme.

Os tiranos se organizam para dez mil anos.

O poder assevera: Assim como é deve continuar a ser.

Nenhuma voz senão a voz dos dominantes.

E nos mercados a espoliação fala alto: agora é minha vez.

Já entre os súditos muitos dizem:

O que queremos, nunca alcançaremos,


Quem ainda está vivo, nunca diga: nunca!

O mais firme não é firme.

Assim como é não ficará.

Depois que os dominantes tiverem falado

Falarão os dominados.

Quem ousa dizer: nunca?

A quem se deve a duração da tirania? A nós.

A quem sua derrubada? Também a nós.

Quem será esmagado, que se levante!

Quem está perdido, que lute!

Quem se apercebeu de sua situação, como poderá ser detido?

Os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã.

De nunca sairá: ainda hoje.

- Bertolt Brecht, em "O duplo compromisso de Bertolt Brecht" (tradução Haroldo de Campos).


CANTO DE UMA AMADA

1. Eu sei, amada: agora me caem os cabelos, nessa vida dissoluta, e eu tenho que deitar nas pedras. Vocês me vêem bebendo as cachaças mais baratas, e eu ando nu no vento.

2. Mas houve um tempo, amada, em que era puro.

3. Eu tinha uma mulher que era mais forte que eu, como o capim é mais forte que o touro: ele se levanta de novo.

4. Ela via que eu era mau, e me amou.

5. Ela não perguntava para onde ia o caminho que era seu, e talvez ele fosse para baixo. Ao me dar seu corpo, ela disse: Isso é tudo. E seu corpo se tornou meu corpo.

6. Agora ela não está mais em lugar nenhum, desapareceu como uma nuvem após a chuva, eu a deixei, ela caiu, pois este era seu caminho.

7. Mas à noite, às vezes, quando me vêem bebendo, vejo o rosto dela, pálido no vento, forte, voltado para mim, e me inclino no vento.

- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956" (seleção e tradução de Paulo César de Souza).



Fotomontagem com imagem de Wikimedia Commons por Adrielly Kilryann/Jornal da USP


Eugen Berthold Friedrich Brecht (10 de fevereiro de 1898, Augsburgo, Alemanha - 14 de agosto de 1956, Berlim, Alemanha). Dramaturgo, encenador e poeta alemão.