Benita Carneiro

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Benita Carneiro e Diogo Dourado



O poeta é um ser meio louco

que gosta de olhar a vida com

lunetas de ciclope.


Adora imagens nebulosas

e usa sempre âncoras de papel

picado, quando quer lançar, compor

alguma coisa.


Nem sempre desiste de andar

com uma estrela na garupa, mesmo

que seu cavalo se assuste e empine no

meio de tantas velas.


É guiado por uma bússola diferente,

capaz de pilotar o quimérico, inventar

outro paladar para as coisas, deitar na

capa de um livro, raspar suas dores e cobrir

os soluços com guardanapos de cristal.


Seu poema é sempre um hino.

Uma flecha que corta o céu zunindo.


O poeta arranca a chuva do rosto.

Guarda no espaço as palavras. E tenta

colar os pedaços do mundo no seu grito

mais fundo!

- Benita Carneiro, no livro “Itaema”.



Uma Canoa

No meu mar uma canoa

Sem alguém nunca navega,

Porque vai cheia de amor,

Nos sonhos que ela carrega.


No meu mar uma canoa

Não tem remo e nem vela,

Sobre ondas flutuando,

Vai pintando a sua tela.


No meu mar uma canoa

É ingênua primavera,

Vive enfeitando a vida

Sem ter alguém que a espera.

- Benita Carneiro, no livro “Nasce uma flor daqui”.



Intermédio

Através do sol,

Da luz, uma esperança.

Através do amor

O Bem, uma criança.

Através da vida

A flor, uma presença,

Através de Deus

A fé, toda uma crença.

Através da chuva

O frio, a tempestade,

Através do tempo

Uma realidade.

Através da morte,

A dor, o sofrimento,

Através de tudo,

Eu, no esquecimento.

- Benita Carneiro, no livro “Nasce uma flor daqui”.



Carnaval. Carnaval!

Onde está o Pierrô e a nossa

Colombina?


O salão parece um balançar

de cabelos amarrados com milhões de

serpentinas, entre chuvas de confetes

e ardentes bailarinas.


São quatro noites de folia.

Concursos, desfile de lindas e ricas

fantasias individuais. Blocos de ciganas,

baianas, de palhaços, espantalhos,

japonesas, melindrosas.


Rostos pintados, mascarados

em grandes confusões.


Romances nas sacadas dos prédios e prenúncios

ajustados ao conforto do batom.

(Um Clube decorado de primavera).


Foliões brincando numa

festa colorida de lembranças

do passado.

- Benita Carneiro, no livro “Itaema”.



Casa da poetisa, por Rafael Chaves

Capa

Eu surjo da pedra,

Da rocha partida,

Levantando uma haste

Bem no meio da vida.


Passo por montanhas

Na minha subida,

Vejo linda estrela

Deitada, caída.


As aves se assustam

Voando em seguida,

Enquanto desperto

Toda colorida.


Atingindo o espaço,

Não fico escondida,

Eu trago no centro

Um sol que convida


Você para amar,

Viver iludida...

Buscando na flor

A essência da vida.

- Benita Carneiro, no livro “Nasce uma flor daqui”.



Volta

De repente eu vi o sol, vi a luz,

Senti o calor.

Senti a vida mais colorida,

Gostei do tempo, de um momento...

E senti o amor.


Amei a terra, gostei da serra,

Gamei na flor.

E até no vento, que era um tormento

Dei mais valor.


Andei sonhando, andei lembrando...

Sem um rancor!

Noutra magia, sem a nostalgia,

Sem desamor.


Vi a beleza da natureza

Que me encantou,

Achei tão lindo, olhei sorrindo...

O mal passou.


Porque havia uma alegria:

Você voltou.

- Benita Carneiro, no livro “Nasce uma flor daqui”.



Semente

Sou mais que semente,

Semente de flor.

Que precisa de água,

De sol e do vento,

Em todo momento

Preciso de amor.


Sou grão que não fala,

Perfuma e tem cor.

Brotando somente,

Por ser persistente,

Na vida de alguém,

De algum sonhador.


Sou planta divina

De raro esplendor.

Na comunidade,

Cultivo a bondade,

Sou paz e alegria,

Sou luz e calor.

- Benita Carneiro, no livro “Nasce uma flor daqui”.



Foi seguindo os rastros de uma estrela,

que os meus estreitos caminhos se alargaram.

- Benita Carneiro, no livro “Nasce uma flor daqui”.



Assim

Seja como a água

Que corre livremente...

Tão pura, mansa e clara,

Olhando para frente.


Seja como a água

Que cai suavemente...

Parece ser tão frágil,

Mas é bem diferente.


Seja como a água

Que vive tão somente

Da força que possui,

Sem ser tão resistente.


Seja como a água

Que passa indiferente...

No entanto, sempre arrasa,

Levando toda gente.

-Benita Carneiro, no livro “Nasce uma flor daqui”.



É tarde.

O silêncio acorda a minha noite,

chorando triste, porque

nenhuma luz acende agora o meu passado.


As ruas vão, vazias,

pelas casas sonhando de portas trancadas.

Só o vento balança o corpo desajeitado,

enquanto o meu coração caminha despido de

presenças, olhando gatos de olhos fechados.


Há pedras ferindo de azul

as minhas pegadas. Mas eu não sinto nada!


Estou distante do perto-longe

dos que ficam. Próxima dos que vão.

E no meio dos que foram.


Não há medo nos meus passos.


Penso não pensar. E, num espaço mais

profundo, o andar louco da mente que,

girando, sai do mundo.

-Benita Carneiro, no livro “Itaema”.



Criança

Um anjo

de luz,

Clarão.


Um verso

De amor,

Canção.

-Benita Carneiro, no livro “Aquarela”.



Toda criança precisa

de muito amor, segurança.

- Benita Carneiro, no livro “Aquarela.




Benita Carneiro e sua irmã Dayse Carneiro (déc. 50)


Benita Carneiro (14 de dezembro de 1929, Itanhandu MG, 05 de junho de 2017, Itanhandu MG). Professora e poetisa brasileira.