Adão Ventura

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Senzala

senzala

é minha carne retalhada

pelo dia-a-dia


senzala

é a sombra que tenho aprisionada

nos ghetos da minha pele.

- Adão Ventura, em "A cor da pele".



Zumbi

Eu-Zumbi

Rei de Palmares

tenho terreiros e tambores

e danço a dança do Sol.


Eu-Zumbi enfrento o vento

que ainda tarda

dessas cartas de alforria.


Eu-Zumbi jogo por terra

a caneta de ouro

de todas as Leis-Áureas.


Eu-Zumbi

Rei de Palmares

Tenho terreiros

e tambores


e danço a dança do Sol

- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).



Das biografias (I)

em negro

teceram-me a pele.

enormes correntes

amarram-me ao tronco

de uma Nova África.


carrego comigo

a sombra de longos muros

tentando impedir

que meus pés

cheguem ao final

dos caminhos.


mas o meu sangue

está cada vez mais forte,

tão forte quanto as imensas pedras

que os meus avós carregaram


para edificar os palácios dos reis.

- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).



Limite

e quando a palavra

apodrece

num corredor

de sílabas ininteligíveis.


e quando a palavra

mofa

num canto-cárcere

do cansaço diário.


e quanto a palavra

assume o fosco

ou o incolor da hipocrisia.


e quando a palavra

é fuga

em sua própria armadilha.


e quando a palavra

é furada

em sua própria efígie.


a palavra

sem vestimenta,

nua,


desincorporada.

- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).



Para um negro

para um negro

a cor da pele

É uma sombra

muitas vezes mais forte

que um soco

para um negro

a cor da pele

É uma faca

que atinge

muito mais em cheio

o coração

- Adão Ventura, em "Costura de nuvens" (Antologia poética).



Um

em negro

teceram-me a pele.

enormes correntes

amarraram-me ao tronco

de uma Nova África.


carrego comigo

a sombra de longos muros

tentando me impedir

que meus pés

cheguem ao final

dos caminhos.


mas o meu sangue

está cada vez mais forte,

tão forte quanto as imensas pedras

que os meus avós carregaram

para edificar os palácios dos reis.

- Adão Ventura, em "Cor da pele".


Negro forro

Minha carta de alforria

Não me deu fazendas,

Nem dinheiro no banco,

Nem bigodes retorcidos.

Minha carta de alforria

Costurou meus passos

Aos corredores da noite de minha pele.

- Adão Ventura, em "Os cem melhores poemas brasileiros do século".






Adão Ventura Ferreira Reis, ( 05 de julho 1939, Santo Antônio do Itambé, MG, 12 de junho 2004, Belo Horizonte, MG). Poeta e prosador brasileiro.